segunda-feira, 26 de julho de 2021

EN103 - Do nordeste trasmontano ao litoral minhoto

A Estrada Nacional 103 (abreviadamente designada por EN103 ou N103) é uma estrada que percorre transversalmente todo o norte de Portugal, ligando o litoral minhoto ao interior trasmontano. Começa na localidade de Neiva, perto de Viana do Castelo, e prolonga-se numa paisagem multifacetada pelo leste do Alto Minho e por toda a zona Norte de Trás-os-Montes. Atravessa os distritos de Viana do Castelo, Braga, Vila Real e Bragança, num total de mais de 260 km.
 
Pela sua dimensão e localização, a EN103 oferece uma viagem dura e sinuosa em grande parte do seu trajecto, mas fascinante para quem a percorre. Passa por localidades como Barcelos, Braga, Chaves, Vinhais, até Bragança, atravessando os rios Neiva (em Forjães), Cávado (entre Barcelos e Barcelinhos), Tâmega (em Chaves), Rabaçal (em Rebordelo), Tuela (perto de Soeira) e Baceiro (perto de Castrelos).
 
EN103 – Mais de 260 km de Neiva (Viana do Castelo) até Bragança.
 
A minha viagem pela EN103, efetuada no passado dia 12 de Junho, teve como ponto de partida o final da estrada na cidade raiana de Bragança, capital do Distrito de Bragança, na sub-região de Terras de Trás-os-Montes, no nordeste do país. Por aqui destaca-se, entre outros, o Parque Natural de Montesinho, um território fronteiriço de excelência para o turismo de natureza que merece sem dúvida uma atempada visita.
 
Antes de ir para a estrada, o início da manhã foi passado no Museu Ibérico da Máscara e do Traje, situado na rua principal da Cidadela, junto ao Castelo. Inaugurado em 24 de Fevereiro de 2007, é um espaço de divulgação das tradições relacionadas com as Máscaras do Nordeste Trasmontano e da região de Zamora (parceria entre o Município de Bragança e a Diputación de Zamora). Neste museu encontram-se expostas máscaras, trajes, adereços e objectos usados nas “Festas de Inverno” em Trás-os-Montes e Alto Douro (bem retratadas no documentário Máscaras de 1976) e nas “Las Mascaradas de Invierno” da região zamorana. A entrada custa 1,04 €.
 
Museu Ibérico da Máscara e do Traje, Bragança.
 
Do museu Ibérico da Máscara e do Traje até à Capela do Senhor dos Aflitos são cerca de 2 km a descer, pelo empedrado das ruas estreitas e sinuosas desta zona histórica. É por aqui que termina a EN103 e foi então deste local que comecei a viagem em direcção a Oeste, rumo ao Oceano Atlântico, percorrendo a estrada no sentido inverso até Neiva (Viana do Castelo).
 
Início da viagem perto da Capela do Senhor dos Aflitos, Bragança.
 
Já na EN103, o limite da cidade de Bragança (placa com a indicação de fim de localidade) situa-se sensivelmente ao km 261, cuja indicação já não existe devido ao desaparecimento do respectivo marco (pelo menos não o encontrei). O último marco quilométrico que consegui encontrar fica um pouco mais à frente, antes da localidade de Grandais, sinalizando o km 260 (41°48'46.0"N 6°48'37.8"W).
 
EN103 – Km 260, à saída de Bragança.
 
Sob um céu azul e com uma temperatura (ainda) amena, num agradável contraste com o final do dia anterior onde apanhei chuva intensa com granizo e trovoada (!!!) a caminho de Bragança, as curvas da EN103 sucediam-se a bom ritmo, com excelente piso e um cenário magnífico, num constante ziguezaguear a bordejar o Parque Natural de Montesinho.
 
Junto à ponte onde se atravessa o Rio Tuela fica a Praia Fluvial da Ponte de Soeira, uma pequena albufeira natural de águas límpidas que convida a uns mergulhos antes de chegar à vila de Vinhais. Nesta terra de afamado fumeiro, vale a pena fazer um pequeno desvio de menos de 4 km para conhecer o Parque Biológico de Vinhais, um equipamento público com grande diversidade natural (flora e fauna) que dispõe também de vários tipos de alojamento (Bungalows, Pod's ou Hospedaria do Parque). A entrada, sem guia, custa 2,50 €.
 
Parque Biológico de Vinhais.
 
A caminho de deixar o Distrito de Bragança e entrar no Distrito de Vila Real, o que acontece com a travessia do Rio Rabaçal, na freguesia de Rebordelo (perto da Barragem do Rabaçal), uma breve paragem no Miradouro de Santa Luzia serviu para apreciar as belas panorâmicas que se estendem sobre os montes verdejantes ao redor. Um local aprazível e de inegável interesse paisagístico.
 
Entrada no Distrito de Vila Real (travessia do Rio Rabaçal, freguesia de Rebordelo). 
  
Entre os quilómetros 183 e 182, praticamente às portas da cidade de Chaves, o Castelo de Monforte de Rio Livre ergue-se sobre uma das escarpas da Serra do Brunheiro, a 849 m de altitude, em posição dominante sobre a antiga povoação medieval e a ribeira de Águas Livres. Daqui é possível avistar as fortificações de Chaves e Monterrey, em Verin, Espanha.
 
Já em plena cidade flaviense e após uma paragem para abastecer a Tiger800, a EN103 vai direita à rotunda onde está colocado o marco do km 0 da emblemática Estrada Nacional 2. As duas seguem depois juntas na Av. Dom João I até à Rotunda do Raio X (junto ao hipermercado E.Leclerc), onde a EN103 deriva em direcção à ponte nova (Ponte Eng.º Barbosa Carmona) sobre o Rio Tâmega.
 
Aqui chegado e se esta viagem tivesse ocorrido no primeiro fim-de-semana de Setembro, ainda ia a tempo de dar um salto à cidade de Valpaços, a cerca de 30 km a sudeste pela EN213, para assistir às corridas do Circuito Motorizado de Valpaços, inserido nas festas da localidade em honra da N. Sr.ª da Saúde.
 
Passagem da EN103 pelo km 0 da EN2, Chaves.
 
Entretanto o sol já ia bem alto, assim como a temperatura ambiente. Era a altura certa para fazer uma pausa e aproveitar para almoçar. O local escolhido acabou por se revelar acertado, já que por entre pipas e petiscos, comi provavelmente a melhor alheira grelhada de sempre. Depois do repasto e ao passar pelo Rei do Folar de Chaves, não resisti e acabei por colocar uma destas iguarias tradicionais na mala da moto.
 
Com o retomar da EN103, o caminho prosseguiu em direcção a Braga pela magnífica região das Terras do Barroso, formada pelos concelhos de Montalegre e Boticas, classificada como património agrícola mundial no âmbito do programa da FAO “Sistemas Importantes do Património Agrícola Mundial” (sigla em inglês, GIAHS) a 13 de Abril de 2018.
 
Esta foi, para mim, a zona mais espectacular de todo o trajecto da EN103. Uma região essencialmente agrícola, dominada pela produção pecuária e pelas culturas típicas dos locais montanhosos, onde se mantêm as formas tradicionais de trabalhar a terra ou tratar os animais. As principais actividades são a criação de gado (raça Barrosã) e a produção de cereais, o que deu origem a um mosaico de paisagem em que as pastagens antigas, as áreas de cultivo (campos de centeio e hortas), os bosques e as florestas estão interdependentes.
 
Tanto a vila de Boticas (conhecida pelo Vinho dos Mortos e de onde partiu a 11.ª edição do Portugal de Lés-a-Lés 2009) como a vila de Montalegre (famosa pela sua Feira do Fumeiro) situam-se a escassos quilómetros da EN103 e merecem ambas uma visita. Também não muito longe, junto à fronteira com Espanha, fica a localidade de Vilar de Perdizes, a aldeia mais mística de Portugal. Ficou conhecida pelos Congressos de Medicina Popular e, nos dias mais místicos (sexta-feira 13, halloween), é invadida por curiosos que procuram ver bruxas, diabos e mafarricos, bem como a queimada e esconjuro do carismático Padre António Fontes.
 
Cerca de duas dezenas de quilómetros após a passagem pela Barragem do Alto Rabagão (em Pisões), a segunda maior do país, deixamos para trás o Distrito de Vila Real e entramos no Distrito de Braga, junto ao Rio Rabagão (em Cambedo), já na histórica província do Minho.
 
Entrada no Distrito de Braga (junto ao Rio Rabagão, em Cambedo).     
    
Em plena região minhota, à beira da EN103 ficam as vilas de Vieira do Minho e de Póvoa de Lanhoso. Enquadradas por paisagens deslumbrantes perto do Parque Nacional Peneda-Gerês, são locais de interessante património histórico e cultural, onde se destaca o artesanato (trabalhos em cobre e de ourives locais, artigos de tecelagem e bordados tradicionais), bem como a excelência da sua gastronomia.
 
Sensivelmente a 10 km de Vieira do Minho, a N304 leva-nos até à aldeia de Rossas, local onde está sediado o Museu da Moto Antiga. Esta colecção privada tem a particularidade de ter sido o primeiro museu da moto em Portugal com portas abertas ao público. Actualmente pode ser visitado através de marcação prévia (tel. 253214053, tlm. 919722753).
 
Museu da Moto Antiga, Rossas (Vieira do Minho). Via   
 
Com a entrada na cidade de Braga, a capital do distrito homónimo, desaparecem muitas das indicações da EN103, que se funde com outras estradas em diversos locais da sua já complexa malha urbana. É importante estar atento e ir seguindo as indicações para Barcelos.
 
Braga possui uma história bimilenar que se iniciou na Roma Antiga, quando foi fundada em 16 a.C. como Bracara Augusta em homenagem ao imperador romano César Augusto. A “Capital do Minho” conta com um vasto património cultural, cujo ex-líbris é o Santuário do Bom Jesus do Monte, Património Mundial da UNESCO. Curiosamente e apesar de ser a cidade mais antiga de Portugal, é também conhecida como a “Cidade da Juventude”, onde em 2012 se celebrou a ‘Braga 2012 - Capital Europeia da Juventude’.
 
Logo à saída da cidade, junto ao nó com a A11, encontramos a loja Route 103 que, para além dos muitos artigos dedicados aos motociclistas, é também um revendedor oficial de merchandising do piloto Miguel Oliveira. Esta acabou por ser uma das poucas coisas que me chamaram a atenção neste troço da EN103 que liga Braga a Barcelos. Uma zona essencialmente plana, mais urbanizada e com bastante trânsito, onde a estrada assume uma configuração com (muito) poucas curvas e que foi, para mim, a menos interessante de toda a viagem.
 
Chegado a Barcelos, a cidade da lenda do Galo de Barcelos, atravessei a ponte medieval sobre o Rio Cávado (Ponte de Barcelos) em direcção à rotunda da Avenida Sidónio Pais, junto ao Parque Municipal. No centro desta rotunda ergue-se o Monumento ao Motociclista “Homo Viator” (41°31'54.1"N 8°36'57.5"W), inaugurado no dia 11 de Maio de 2013, e cuja construção foi uma iniciativa da Associação Clube Moto Galos.
 
Monumento ao Motociclista “Homo Viator”, Barcelos.    
  
Retomada a viagem para sua a recta final até Neiva (e ‘recta’ continuava a ser a palavra que melhor definia a EN103 nesta fase), cerca de 15 km depois e numa zona densamente arborizada, ao cruzar com a EN305 surge a indicação para a localidade de Curvos. Nesta pequena aldeia do extremo leste do concelho de Esposende encontra-se o Museu Motom, ou seja, a colecção de Paulo Sá e Cunha que é a maior do mundo dedicada à marca italiana Motom. O museu pode ser visitado aos Domingos de manhã, mediante agendamento prévio através de e-mail (psc@zonmail.pt).
 
Museu Motom (colecção de Paulo Sá e Cunha), Curvos (Esposende).  
 
A entrada no Distrito de Viana do Castelo acontece pouco depois, cerca de 5 km mais à frente, com a passagem em Ínfia, na freguesia de Forjães, ...
 
Entrada no Distrito de Viana do Castelo (passagem em Ínfia, freguesia de Forjães). 
 
... a caminho da rotunda onde é feita a transição da EN103 para a EN13, já na freguesia de Alvarães. É aqui que está localizado o marco do km 0 (41°38'22.5"N 8°46'04.6"W), estabelecendo o início da EN103 e, neste caso, o final da minha travessia pelo topo norte do país.
 
EN103 – Km 0, Neiva, Viana do Castelo.  
 
Em jeito de conclusão, esta motorcycle road trip pela Estrada Nacional 103 foi uma descoberta de algumas das muitas riquezas que as regiões de Trás-os-Montes e do Minho têm para oferecer, tanto a nível paisagístico como cultural e gastronómico, ao longo de um trajecto de pouco mais de 260 km.
 
A EN103 afigura-se assim como uma estrada ideal para quem gosta de conduzir. Intensa e (agradavelmente) tortuosa, bem ao jeito de quem tem prazer em andar de moto, com bom piso e magníficas vistas panorâmicas. A travessia da região das Terras do Barroso (Chaves, Boticas e Montalegre) é um dos pontos altos do percurso.

Sem comentários:

Enviar um comentário