A Estrada Nacional 103 (abreviadamente
designada por EN103 ou N103) é uma estrada que percorre transversalmente todo o
norte de Portugal, ligando o litoral minhoto ao interior trasmontano. Começa na
localidade de Neiva, perto de Viana do Castelo, e prolonga-se numa paisagem
multifacetada pelo leste do Alto Minho e por toda a zona Norte de
Trás-os-Montes. Atravessa os distritos de Viana do Castelo, Braga, Vila Real e
Bragança, num total de mais de 260 km.
Pela sua dimensão e localização, a EN103 oferece uma viagem dura e
sinuosa em grande parte do seu trajecto, mas fascinante para quem a percorre.
Passa por localidades como Barcelos, Braga, Chaves, Vinhais, até Bragança, atravessando
os rios Neiva (em Forjães), Cávado (entre Barcelos e Barcelinhos), Tâmega (em
Chaves), Rabaçal (em Rebordelo), Tuela (perto de Soeira) e Baceiro (perto de
Castrelos).
A minha viagem pela EN103, efetuada no passado dia 12 de Junho, teve
como ponto de partida o final da estrada na cidade raiana de Bragança, capital
do Distrito de Bragança, na sub-região de Terras de Trás-os-Montes, no nordeste
do país. Por aqui destaca-se, entre outros, o Parque
Natural de Montesinho, um território fronteiriço de excelência para o
turismo de natureza que merece sem dúvida uma atempada visita.
Antes de ir para a estrada, o início da manhã foi passado no Museu Ibérico da Máscara e do
Traje, situado na rua principal da Cidadela, junto
ao Castelo. Inaugurado em 24 de Fevereiro de 2007, é um espaço de
divulgação das tradições relacionadas com as Máscaras do Nordeste Trasmontano e
da região de Zamora (parceria entre o Município de Bragança e a Diputación de Zamora). Neste museu encontram-se
expostas máscaras, trajes, adereços e objectos usados nas “Festas de Inverno”
em Trás-os-Montes e Alto Douro (bem retratadas no documentário Máscaras de 1976) e nas
“Las Mascaradas de Invierno” da região zamorana. A entrada custa 1,04 €.
Do museu Ibérico da Máscara e do Traje até à Capela
do Senhor dos Aflitos são cerca de 2 km a descer, pelo empedrado das ruas
estreitas e sinuosas desta zona histórica. É por aqui que termina a EN103 e foi
então deste local que comecei a viagem em direcção a Oeste, rumo ao Oceano
Atlântico, percorrendo a estrada no sentido inverso até Neiva (Viana do Castelo).
Já na EN103, o limite da cidade de Bragança (placa com a indicação de fim
de localidade) situa-se sensivelmente ao km 261, cuja indicação já não existe
devido ao desaparecimento do respectivo marco (pelo menos não o encontrei). O
último marco quilométrico que consegui encontrar fica um pouco mais à frente, antes
da localidade de Grandais, sinalizando o km 260 (41°48'46.0"N
6°48'37.8"W).
Sob um céu azul e com uma temperatura (ainda) amena, num agradável
contraste com o final do dia anterior onde apanhei chuva intensa com granizo e
trovoada (!!!) a caminho de Bragança, as curvas da EN103 sucediam-se a bom
ritmo, com excelente piso e um cenário magnífico, num constante ziguezaguear a
bordejar o Parque Natural de Montesinho.
Junto à ponte onde se atravessa o Rio Tuela fica a Praia
Fluvial da Ponte de Soeira, uma pequena albufeira natural de águas límpidas
que convida a uns mergulhos antes de chegar à vila de Vinhais. Nesta terra de
afamado fumeiro, vale a pena
fazer um pequeno desvio de menos de 4 km para conhecer o Parque Biológico de Vinhais,
um equipamento público com grande diversidade natural (flora e fauna) que dispõe
também de vários tipos de alojamento (Bungalows, Pod's ou Hospedaria do Parque).
A entrada, sem guia, custa 2,50 €.
A caminho de deixar o Distrito de Bragança e entrar no Distrito de Vila
Real, o que acontece com a travessia
do Rio Rabaçal, na freguesia de Rebordelo (perto da Barragem do Rabaçal),
uma breve paragem no Miradouro
de Santa Luzia serviu para apreciar as belas panorâmicas que se estendem sobre
os montes verdejantes ao redor. Um local aprazível e de inegável interesse
paisagístico.
Entre os quilómetros 183 e 182, praticamente às portas da cidade de
Chaves, o Castelo
de Monforte de Rio Livre ergue-se sobre uma das escarpas da Serra do
Brunheiro, a 849 m de altitude, em posição dominante sobre a antiga povoação
medieval e a ribeira de Águas Livres. Daqui é possível avistar as fortificações
de Chaves e Monterrey, em Verin, Espanha.
Já em plena cidade flaviense e após uma paragem
para abastecer a Tiger800, a EN103 vai direita à rotunda onde está colocado
o marco do km 0 da emblemática Estrada Nacional
2. As duas seguem depois juntas na Av. Dom João I até à Rotunda do Raio X
(junto ao hipermercado E.Leclerc), onde a EN103 deriva em direcção à ponte nova
(Ponte Eng.º Barbosa Carmona) sobre o Rio Tâmega.
Aqui chegado e se esta viagem tivesse ocorrido no primeiro fim-de-semana
de Setembro, ainda ia a tempo de dar um salto à cidade de Valpaços, a cerca de
30 km a sudeste pela EN213, para assistir às corridas do Circuito
Motorizado de Valpaços, inserido nas festas da localidade em honra da N. Sr.ª
da Saúde.
Entretanto o sol já ia bem alto, assim como a temperatura ambiente. Era
a altura certa para fazer uma pausa e aproveitar para almoçar. O local
escolhido acabou por se revelar acertado, já que por entre pipas e petiscos,
comi provavelmente a melhor alheira grelhada de sempre. Depois do repasto e ao passar
pelo Rei do Folar de
Chaves, não resisti e acabei por colocar uma destas iguarias tradicionais na
mala da moto.
Com o retomar da EN103, o caminho prosseguiu em direcção a Braga pela
magnífica região das Terras do Barroso,
formada pelos concelhos de Montalegre e Boticas, classificada como património
agrícola mundial no âmbito do programa da FAO “Sistemas Importantes do
Património Agrícola Mundial” (sigla em inglês, GIAHS) a 13 de Abril de 2018.
Esta foi, para mim, a zona mais espectacular de todo o trajecto da EN103.
Uma região essencialmente agrícola, dominada pela produção pecuária e pelas
culturas típicas dos locais montanhosos, onde se mantêm as formas tradicionais
de trabalhar a terra ou tratar os animais. As principais actividades são a
criação de gado (raça
Barrosã) e a produção de cereais, o que deu origem a um mosaico de paisagem
em que as pastagens antigas, as áreas de cultivo (campos de centeio e hortas),
os bosques e as florestas estão interdependentes.
Tanto a vila de Boticas (conhecida pelo Vinho dos Mortos e de onde partiu a 11.ª
edição do Portugal de Lés-a-Lés 2009) como a vila de Montalegre (famosa
pela sua Feira do Fumeiro) situam-se
a escassos quilómetros da EN103 e merecem ambas uma visita. Também não muito
longe, junto à fronteira com Espanha, fica a localidade de Vilar de Perdizes, a
aldeia mais mística de Portugal. Ficou conhecida pelos Congressos de Medicina Popular
e, nos dias mais místicos (sexta-feira 13, halloween),
é invadida por curiosos que procuram ver bruxas, diabos e mafarricos, bem como
a queimada e esconjuro do carismático Padre António Fontes.
Cerca de duas dezenas de quilómetros após a passagem pela Barragem do
Alto Rabagão (em Pisões), a segunda maior do país, deixamos para trás o Distrito
de Vila Real e entramos no Distrito de Braga, junto
ao Rio Rabagão (em Cambedo), já na histórica província do Minho.
Em plena região minhota, à beira da EN103 ficam as vilas de Vieira do
Minho e de Póvoa de Lanhoso. Enquadradas por paisagens deslumbrantes perto do Parque
Nacional Peneda-Gerês, são locais de interessante património histórico e
cultural, onde se destaca o artesanato (trabalhos em cobre e de ourives locais,
artigos de tecelagem e bordados tradicionais), bem como a excelência da sua
gastronomia.
Sensivelmente a 10 km de Vieira do Minho, a N304 leva-nos até à aldeia
de Rossas, local onde está sediado o Museu
da Moto Antiga. Esta colecção privada tem a particularidade de ter sido o primeiro museu da moto em
Portugal com portas abertas ao público. Actualmente pode ser visitado através de
marcação prévia (tel. 253214053, tlm. 919722753).
Museu da Moto Antiga,
Rossas (Vieira do Minho). Via
Com a entrada na cidade de Braga, a capital do distrito homónimo, desaparecem
muitas das indicações da EN103, que se funde com outras estradas em diversos locais
da sua já complexa malha urbana. É importante estar atento e ir seguindo as
indicações para Barcelos.
Braga possui uma história bimilenar que se iniciou na Roma Antiga,
quando foi fundada em 16 a.C. como Bracara Augusta em homenagem ao imperador
romano César Augusto. A “Capital do Minho” conta com um vasto património
cultural, cujo ex-líbris é o Santuário
do Bom Jesus do Monte, Património Mundial da UNESCO. Curiosamente e apesar
de ser a cidade mais antiga de Portugal, é também conhecida como a “Cidade da
Juventude”, onde em 2012 se celebrou a ‘Braga 2012 - Capital Europeia da
Juventude’.
Logo à saída da cidade, junto ao nó com a A11, encontramos a loja Route 103 que, para além dos muitos artigos
dedicados aos motociclistas, é também um revendedor oficial de merchandising do piloto Miguel Oliveira. Esta acabou por ser uma
das poucas coisas que me chamaram a atenção neste troço da EN103 que liga Braga
a Barcelos. Uma zona essencialmente plana, mais urbanizada e com bastante
trânsito, onde a estrada assume uma configuração com (muito) poucas curvas e
que foi, para mim, a menos interessante de toda a viagem.
Chegado a Barcelos, a cidade da lenda do Galo de Barcelos,
atravessei a ponte medieval sobre o Rio Cávado (Ponte de Barcelos) em direcção à
rotunda da Avenida Sidónio Pais, junto ao Parque Municipal. No centro desta
rotunda ergue-se o Monumento
ao Motociclista “Homo Viator” (41°31'54.1"N 8°36'57.5"W), inaugurado
no dia 11 de Maio de 2013, e cuja construção foi uma iniciativa da Associação
Clube Moto Galos.
Retomada a viagem para sua a recta final até Neiva (e ‘recta’ continuava
a ser a palavra que melhor definia a EN103 nesta fase), cerca de 15 km depois e
numa zona densamente arborizada, ao cruzar com a EN305 surge a indicação para a
localidade de Curvos. Nesta pequena aldeia do extremo leste do concelho de Esposende encontra-se o Museu
Motom, ou seja, a colecção de Paulo Sá e Cunha que é a maior do
mundo dedicada à marca italiana Motom. O museu pode ser visitado aos Domingos de manhã,
mediante agendamento prévio através de e-mail (psc@zonmail.pt).
A entrada no Distrito de Viana do Castelo acontece pouco depois, cerca
de 5 km mais à frente, com a passagem
em Ínfia, na freguesia de Forjães, ...
... a caminho da rotunda onde é feita a transição da EN103 para a EN13,
já na freguesia de Alvarães. É aqui que está localizado o marco do km 0 (41°38'22.5"N
8°46'04.6"W), estabelecendo o início da EN103 e, neste caso, o final da
minha travessia pelo topo norte do país.
Em jeito de conclusão, esta motorcycle road
trip pela Estrada Nacional 103 foi uma descoberta de algumas das muitas riquezas
que as regiões de Trás-os-Montes e do Minho têm para oferecer, tanto a nível
paisagístico como cultural e gastronómico, ao longo de um trajecto de pouco
mais de 260 km.
A EN103 afigura-se assim como uma estrada
ideal para quem gosta de conduzir. Intensa e (agradavelmente) tortuosa, bem ao
jeito de quem tem prazer em andar de moto, com bom piso e magníficas vistas
panorâmicas. A travessia da região das Terras do Barroso (Chaves, Boticas e
Montalegre) é um dos pontos altos do percurso.
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