terça-feira, 1 de junho de 2010

11º Lés-a-Lés: A maratona do sofrimento

É já no próximo dia 3 de Junho que vai ter início a 12ª edição do Lés-a-Lés. Como este ano não vou marcar presença nesta rija aventura pelo Portugal profundo e muitas vezes desconhecido, quero desde já desejar uma boa prova a todos os motociclistas participantes.

Não querendo ser injusto nem exagerado, aqui ficam as minhas impressões e os meus desabafos sobre a participação na edição do ano passado:



Entre outras coisas, os motociclistas nacionais podem ser divididos em dois grandes grupos: aqueles que já participaram no Portugal de Lés-a-Lés e os que ainda não o puderam fazer. Como já há algum tempo que queria pertencer ao primeiro grupo, não quis deixar passar a oportunidade de participar na 11ª edição do LaL (Boticas - Castelo Branco - Olhão).

O título “11º Lés-a-Lés: A maratona do sofrimento” poderá parecer um pouco exagerado, mas foi exactamente esta sensação que me acompanhou ao longo da edição de 2009 deste evento organizado pela Comissão de Mototurismo da Federação de Motociclismo de Portugal, superiormente liderado pelo incontornável Ernesto Brochado (sempre acompanhado da sua fiel BMW K75).


Ernesto Brochado apresentando a prova na Loja Moviflor de Rio de Mouro

Bem sei que a primeira vez é sempre a mais difícil, que as altas temperaturas que se fizeram sentir ao longo dos 3 dias da prova não ajudaram muito, que o meu estado físico não era o melhor (não me permitindo inclusive comparecer no prólogo) e que o meu desenrolador de road-book tipo “faça você mesmo” não se portou à altura (não tinha sido previamente testado), mas mesmo descontando todas estas condicionantes, lá que foi duro, isso foi.


Aguardando (ao sol) a minha vez para as verificações técnicas em Boticas

Carteiras recheadas

Parece-me que o valor pedido pela organização para a inscrição no evento (€ 150, ou 30 contos na moeda antiga) é algo desajustado face ao que é oferecido aos participantes, onde para além do equipamento necessário para efectuar a prova (1 dorsal e autocolantes com o n.º da equipa, 1 tarjeta para colocar ao pescoço, 1 road-book, 1 pulseira para acesso às refeições e documentação diversa) tudo se resumiu a 2 t-shirts, 1 boné de pala, 2 pequenos-almoços volantes (ou voláteis, já que nem os vi), 2 almoços (ligeiros), 3 jantares (mais ou menos), 1 diploma de participação (por preencher!?), brindes finais e 1 DVD da prova a enviar posteriormente ao domicílio.


No estacionamento do hotel em Chaves, pronto para arrancar para Boticas para o início da 1ª etapa

À primeira vista poderão parecer muitos artigos, mas não devemos esquecer que a grande maioria deles é oferecida pelos vários patrocinadores envolvidos, assim como pelas Autarquias e pelos Motoclubes por onde a caravana passa.


Partida para a 1ª etapa em Boticas

Foi ainda notória a diferença de tratamento durante o 1º dia em terras do Norte (onde até foi oferecido um pequeno lanche à tarde na localidade de Alfaiates), relativamente ao 2º dia em terras do Sul onde curiosamente a necessidade era maior face à grande quantidade de quilómetros a percorrer a às condições climatéricas que se apresentavam mais adversas.


A estacionar no controlo do Castelo de Vilar Maior (1ª etapa)

Para além do valor da inscrição é necessário ainda adicionar o alojamento de pelo menos 2 noites (€ 70) e o combustível para percorrer os cerca de 2.000 km (1.000 km da prova e quase outro tanto para a ida e para o regresso a casa) considerando um consumo médio de 6 l/100 a 1,4 €/l (€ 168), esperando que não aconteça nenhum percalço pelo caminho ao condutor ou à mota.


Junto à casa de turismo rural perto de Idanha-a-Nova, antes de arrancar para Castelo Branco para o início da 2ª etapa

Bem vistas as coisas, tenho que concordar com algumas das opiniões expressas em vários fórums sobre motas, onde se escreve basicamente que por estes valores (nota: nunca menos de € 400 no total, sem contar com o obrigatório kit ou ferramenta para reparar um eventual furo e com o equipamento para ler o road-book) e face ao que realmente se aproveita do evento, mais vale imprimir uma cópia do road-book (encontram-se aqui todos disponíveis) e efectuar um tranquilo passeio de fim-de-semana ou umas mini-férias por estes locais, sem stress e apreciando verdadeiramente as paisagens e o património.


Pequena paragem para admirar as conhecidas Portas de Ródão (2ª etapa)

Considerando estes custos, existem outras opções mais proveitosas e que ainda contribuem para melhorar a nossa capacidade de condução, como por exemplo a participação num Curso de Condução Avançada ou num Track Day no Autódromo do Estoril ou no Autódromo de Portimão, ambos organizados pelo Action Team da revista Motociclismo, que incluem 6 sessões em pista, alimentação, seguro de acidentes pessoais e CD com fotos do evento.

Evento (pouco) turístico

Embora o Lés-a-Lés esteja inserido nos eventos mototurísticos e apesar do percurso escolhido pela organização incidir maioritariamente em zonas do chamado “Portugal profundo”, não acredito que muitas equipas consigam apreciar convenientemente todos os locais atravessados pela enorme caravana, face à elevada quantidade de quilómetros para efectuar em tão pouco tempo (cerca de 12 horas de condução e 500 km por dia).


Durante a manhã da 2ª etapa

É no mínimo estranho que os participantes mais cumpridores acabem por ser os mais prejudicados, ou seja, aqueles que se esforçam por acompanhar os tempos e as indicações do road-book (conduzindo necessariamente num ritmo mais elevado) são os que não conseguem desfrutar das belas paisagens que vão desfilando perante os seus olhos ou dos locais de interesse histórico por que vão passando.


Depois do controlo do Menir da Meada (2ª etapa)

Fiquei com a sensação que o Lés-a-Lés é mais parecido com uma prova de orientação efectuada em cima de uma mota, onde a principal preocupação é não falhar o próximo ponto de encontro com o alicate dos controladores para obter mais um furo na tarjeta, de preferência sem perder muito tempo.

Mecânicas resistentes


Algures no Parque Natural do Vale do Guadiana com terra batida, pedras e muito pó (2ª etapa). Curiosidade: esta foto está impressa no DVD que contém o vídeo

Foi duro não só para os condutores mas também para as motas de cariz mais estradista como a minha VFR, considerando os diversos tipos de terreno que iam aparecendo debaixo das rodas, desde o melhor alcatrão às zonas não pavimentadas, passando por gravilha, asfalto em mau estado, terra batida com muito pó, sinuosas subidas e descidas algo vertiginosas em terra e pedras, empedrado (paralelos), seixos de rio, etc. Tudo isto para mim só tem um nome: todo-o-terreno!


Pequena pausa após o controlo do Pulo do Lobo (2ª etapa)

Só faltou mesmo a travessia de um curso de água para ser o “menu” completo, mas com todo aquele calor no ar (40 ºC em andamento na travessia do Alentejo) a água não apareceu, com excepção da Ribeira do Vascão onde os controladores do MC Albufeira criaram um “posto alfandegário” no meio da água e onde foi necessário literalmente molhar os pés para conseguir ficar com mais um furo na tarjeta.


Travessia seca da Ribeira do Vascão mas com os pés molhados (2ª etapa)

Mas há “malucos” para tudo e muito sinceramente não consigo entender como é alguém com uma mota clássica praticamente com 70 anos e impecavelmente restaurada (como o participante da equipa n.º 1, com uma Harley-Davidson WL de 1942) tem a coragem de submeter a sua máquina de estimação a este tipo de tratamento... por vezes quase “desumano”!

Face à dificuldade dos caminhos percorridos e de algum risco envolvido, não tenho dúvidas que a mota ideal para efectuar o Lés-a-Lés deverá estar preparada para Todo-o-terreno, ser Robusta, Ágil, permitir a fácil colocação de Instrumentos e Leve, ou seja, uma TRAIL de média cilindrada, como por exemplo a renovada Yamaha XTZ 660 Ténéré que foi a escolha dos elementos da equipa n.º 114, os deputados motociclistas Rodrigo Ribeiro e Miguel Tiago, entre outros.

Balanço final

Sem classificações de qualquer espécie, não há dúvida que a maior vitória para qualquer participante desta maratona é a satisfação pessoal de subir ao palanque final, com a certeza de ter conseguido superar todas as dificuldades e armadilhas que os cerca de 1.000 km apresentaram ao longo de 3 dias extenuantes.



As quedas estão sempre à espreita nos pisos de terra, como verificou o motociclista açoriano Pierre de Sousa Lima ainda durante o Prólogo, com as consequências visíveis (as BMW GS gostam mesmo de terra...)

Sempre com uma grande camaradagem e um espírito de entreajuda, fiquei feliz por ter conseguido terminar o Lés-a-Lés sem nunca deixar cair a mota, sem furos, avarias ou outros aborrecimentos que poderiam facilmente ter acontecido, devidamente apoiado pelos restantes veteranos elementos do grupo que me “rebocaram” através do autêntico labirinto de caminhos indicados no road-book (obrigado Pedro, João e António).


O (merecido) descanso dos “guerreiros” em Olhão

Foi acima de tudo uma experiência única e enriquecedora para juntar a outras que fazem parte do meu modesto “corriculum” de motociclista, mas acho que tão cedo não repetirei a façanha.

Pelo menos nestes moldes e com a VFR...

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