Museu Motom (Colecção de Paulo
Sá e Cunha)
Referenciada
desde a idade média pelas suas casas senhoriais e vinhedos de boa cepa, Curvos
é uma pequena aldeia do extremo leste do concelho de Esposende, onde a maior
parte dos locais vive da agricultura e onde as estradas, ou caminhos, só têm um
pouco mais de movimento no verão quando os seus emigrantes vêm passar as férias
à terra.
À
primeira vista poderá parecer uma aldeia como tantas outras do Minho mas há
algo que faz dela, pelo menos para os apaixonados por motos clássicas, um local
diferente dos restantes. É que graças a um filho da terra, o Eng.º Paulo Sá e Cunha,
ela alberga a maior colecção do mundo dedicada à marca italiana Motom.
As
origens
A Motom,
marca pouco conhecida nos dias de hoje, já foi o terceiro maior construtor de
motos de Itália em meados dos anos 50 do Séc. XX, depois da Moto Guzzi e da
Garelli. Foi fundada em 1947 na cidade de Milão por Battista Falchetto (famoso
engenheiro da área automóvel, ex-braço direito de Vincenzo Lancia), em parceria
com a família De Angeli-Frua
que queria diferenciar os investimentos da área têxtil para aproveitar a
oportunidade de produzir veículos económicos, para os quais era fácil prever
uma grande procura após a Segunda Guerra Mundial.
Inspirada
pelo sucesso de vendas do motor Cucciolo da Ducati, a
Motom concebe um ciclomotor completo com um motor do mesmo género, um
monocilíndrico de 48cc a 4 tempos, económico, com boas prestações e elevada
fiabilidade, montado num peculiar do quadro prensado em forma de ‘X’, vindo a obter
nos anos seguintes um assinalável sucesso comercial e desportivo. Estas características,
entre outras, chamaram a atenção de Paulo Sá Cunha, fascinado desde muito jovem
por veículos de 2 rodas com motor.
Mais
tarde, fruto do trabalho desenvolvido ao longo dos últimos 40 anos e após ter
conseguido completar a sua colecção com o único modelo da Motom que lhe faltava
então, no dia 22 de Setembro de 2018 foi oficialmente inaugurado o Museu Motom,
situado numa bucólica Quinta em Curvos, Esposende, da qual é proprietário e onde
também produz o seu vinho verde “Museu Motom”.
Esta
colecção monomarca de Paulo Sá e Cunha, membro fundador da Associação
Portuguesa do Motociclismo de Época, é um exemplo pouco comum entre as
pessoas que se dedicam ao coleccionismo. “Para mim o que faz sentido é que
uma colecção tenha um princípio e um fim, senão corre-se o risco de passar uma
vida sem nunca concluir a dita colecção, seja ela de que espécie for”, refere o
próprio.
A grande
qualidade dos restauros e a atenção colocada nos detalhes/particularidades de
cada modelo, alguns bastante raros, são bem demonstrativos de toda a dedicação
que Paulo Sá e Cunha colocou na sua colecção (todos os exemplares estão em
condições de funcionamento), evidenciando um grande conhecimento sobre esta
marca que floresceu em Milão no final dos anos ‘40 e encerrou a sua linha de
produção em 1970.
Decorrente
de um acordo entre o proprietário e o Município de Esposende, o museu pode ser
visitado aos Domingos, durante o período da manhã, mediante agendamento prévio através
de e-mail (psc@zonmail.pt). A entrada é livre.
A colecção
Neste museu
único estão reunidos exemplares de todos os modelos produzidos pela Motom, sem
excepção, sendo a maior e a mais completa colecção do mundo da marca
transalpina. Cobiçada por inúmeros coleccionadores, sobretudo italianos mas
também de outras nacionalidades, Paulo Sá e Cunha é frequentemente consultado
sobre todo tipo de dúvidas, pois é reconhecido como um dos maiores
especialistas nesta matéria.
Falar dos
exemplares expostos no museu é, inevitavelmente, falar na história da Motom e
das suas criações ao longo das mais de duas décadas de actividade produtiva. O
primeiro modelo da marca italiana, a Motomic, foi desenvolvido por Battista
Falchetto (ex-Lancia) e apresentado em 1947 no Salão de Genebra. O seu nome nasce
da fusão das palavras ‘moto’ e ‘atomica’.
Ligeira
mas robusta, está equipada com um motor monocilíndrico de 48cc a 4 tempos, refrigerado
a ar, com válvulas à cabeça (OHV) e 1,4 hp de potência, desenvolvido pelo
engenheiro de motores Giuseppe Sola (também ex-Lancia). Tinha como principais
características a fiabilidade, um baixo consumo de combustível (75 km com um
litro de gasolina, ou seja, 1,33 l/100 km) e um bom desempenho (velocidade
máxima em terceira velocidade superior a 50 km/h, com uma inclinação máxima de
22%). A caixa é de 3 velocidades com comando no punho.
O quadro
tipo monocoque
em forma de ‘X’ chamou a atenção pela sua singularidade, sendo composto por duas
“conchas” de metal prensadas e soldadas entre si, sem tubos. Apenas tem os guarda-lamas,
o depósito, o banco e o guiador como peças separadas. A suspensão dianteira é
bastante simples, com a forquilha acoplada a um pequeno paralelogramo,
amortecida por molas helicoidais na frente do guiador. Não tem suspensão traseira.
A
transmissão final é por corrente e estava equipada com pedais capazes de movê-la
mesmo com o motor desligado, servindo para colocar o motor em funcionamento. Ao
todo, pesava cerca de 35 kg. Alguns lembrar-se-ão das Motom pela característica
do guiador que concentrava nele todos os comandos necessários à condução: a mão
esquerda controlava a caixa de velocidades, a embraiagem e o travão dianteiro;
a mão direita operava o travão traseiro e o acelerador.
O
exemplar presente no museu é o n.º 500 dos cerca de 5.000 que foram produzidos.
A Motomic não chegou a ser exportada para Portugal e actualmente é considerado
um modelo muitíssimo raro.
Em
evidência, o museu apresenta então as diferentes versões da Série 12 da Motom,
produzida entre 1947 e 1956. Para além da referida Motomic (1947), encontram-se
expostos os modelos 12/A (1948), 12/C (1949), 12/D 1.ª Versão (1951), 12/D 2.ª Versão
(1952), 12/E 1.ª Versão (1953), 12/E 2.ª Versão (1953), 12/E 3.ª Versão (1954)
e 12/E 4.ª Versão (1955).
Em 1952,
início da exportação para Portugal, a Motom enviou uma Motomic de Corrida desenvolvida
no seu departamento de investigação. Concebida a partir de um quadro 12/C
(1949/50), ainda de estampagem horizontal, é propulsionada por um motor assente
no bloco n.º 195, mas já com lubrificação à cabeça. Constando de catálogos, não
é conhecido outro exemplar, sendo assim considerado único ou quase único.
Ao longo
dos anos, o motor Motom sofreu apenas mudanças marginais (por exemplo, a
lubrificação das válvulas suspensas) que foram suficientes para melhorar
significativamente seu desempenho, tanto que os modelos desportivos da década
de 1960 ultrapassaram 75 km/h, mantendo o consumo de combustível
excepcionalmente baixo.
O comando
da caixa de velocidades, inicialmente efectuado por haste, foi substituído por cabos.
Quanto ao quadro e mantendo a estrutura em ‘X’, ao longo dos anos foi sofrendo
algumas inovações (a estampagem passou a ser vertical), sendo a suspensão
dianteira de mola progressivamente substituída por forquilha telescópica e a
traseira, inicialmente rígida, foi equipada com dois amortecedores de mola.
O depósito
dos primeiros modelos era inserido dentro do quadro monocoque. Posteriormente, foi adoptado um depósito sobre o quadro para
aumentar a autonomia. O selim sempre foi particularmente confortável devido às
suas grandes dimensões e boa suspensão. Nos primeiros modelos, por baixo do selim
havia um porta-objectos cilíndrico, substituído nos modelos seguintes por uma
caixa de maior capacidade, inserida entre o quadro e a secção traseira.
Os
modelos passam a ser designados por Motom 48 (produzidos entre 1954 e 1970) e têm
igualmente grande destaque nesta exposição. São eles o 48 E 1.ª Série (1954),
48 E 2.ª Série (1955), 48 E 3.ª Série (1955), 48 L (1955), 48 S Exportação
(1956), 48 LL (1956), 48 LL Exportação (1957), 48 GG (1957), 48 C (1960), 48
Dona (1962), 48 Cross (1965) e 48 C Kick Start (1969).
Soluções
estéticas particularmente atraentes foram estudadas para os modelos desportivos,
como a cobertura do farol, o banco longo, o guiador estreito e rebaixado. Estas
características podem ser observadas nos modelos 48 Sport 1.ª Série (1955), 48
Sport 2.ª Série (1956), 48 Super Sport 1.ª Série (1958), 48 Super Sport 2.ª Série
(1960), 48 Super Sport 3.ª Série (1962), 48 Super Sport Júnior 4.ª Série (1963)
e 48 Super Sport Júnior 5.ª Série (1967). Para acentuar ainda mais este carácter
desportivo, poisa-pés fixos com accionamento do travão traseiro foram
introduzidos no modelo 48 SS Júnior 4.ª Série, substituindo assim os habituais
pedais.
Desde
muito cedo que a competição fez parte do ADN da Motom, tendo obtido inúmeros
sucessos ao longo dos anos em diversos tipos de provas de pista e rampas. Foi
inclusive detentora de recordes mundiais de velocidade, obtidos em 1958 no
Circuito de Monza. Os modelos presentes no museu são exemplares únicos (ou
quase), desenvolvidos com o propósito específico da competição.
Motom 50 Corsa F2 (baseada
na 50 Sport) vencedora do Campeonato Italiano de Montanha (1962) – Italo Piana
(piloto).
Motom 104 - 48C competição:
Modelo original de 5 velocidades (1962) e réplica de 4 velocidades (com peças
de origem).
Os anos do
pós-Segunda Guerra Mundial foram tempos difíceis para a maioria dos países
europeus, e em Itália não foi excepção. Com a reconstrução, impunha-se a
recuperação económica do estado em sectores vitais como a indústria e o
comércio. Numa sociedade ainda com forte predominância rural, havia também que
ajudar as populações a refazerem as suas vidas e a retomarem as suas
actividades. A produção de alimentos revestia-se naturalmente de especial
importância, com as empresas nacionais a criarem maquinaria específica para esse
fim. Foi neste contexto nacionalista que a Motom, com base no seu comprovado motor
de 48cc a 4T, desenvolveu as Motocultivadoras M1 (1957), M2 (1958/61) e M3 (1962/66),
às quais podia ser aplicada uma bomba de irrigação, bem como um Motocarro (1957/58),
com capacidade total de carga de 150kg.
As
necessidades de modernização da economia e da sociedade criaram enorme procura
por novos meios de transporte e infra-estruturas. A duplicação do PIB italiano
entre 1950 e 1962 teve um enorme impacto na sociedade que, excluída dos
benefícios da economia moderna durante a primeira metade do Séc. XX, de repente
foi inundada com uma enorme variedade de bens de consumo baratos, tais como
automóveis, televisores e máquinas de lavar.
Neste
contexto, apesar dos ciclomotores de 48cc da Motom serem económicos, robustos e
fiáveis, o seu custo de aquisição era algo elevado face a outras propostas
existentes no mercado, devido à maior complexidade dos motores a 4 tempos
relativamente aos motores a 2 tempos, com inevitáveis consequências ao nível do
número de veículos vendidos.
No início
da década de 1960, a marca italiana lança uma nova linha de ciclomotores, com
motores de 50cc a 2T fruto de uma parceria com a Peugeot, mais baratos de
produzir e com um preço mais competitivo. Os novos modelos correspondem às
gamas Nova (1963/66) e Daina (1967/69), com diversas versões, das quais fazem
parte o desportivo Nova 50 Sport 1.ª e 2.ª Série (1966/67) e o 121 Cross (1969/70).
Para muitos aficionados da Motom, foi a partir daqui que começou o progressivo
declínio da marca que, devido a vários factores, acabou por levar ao fecho de
portas em 1971.
Embora a
imagem da Motom esteja essencialmente associada ao ciclomotor de 48cc, a marca
italiana também construiu motociclos de gama superior, com diversas versões dos
modelos 51 (1957/59), 60 (1960/69), 92 (1961/63), 98 (1955/60), 100 (1963/70) e
Delfino 160 (1952/60). Destes, destaca-se o elegante e potente 98TS (1955), um
modelo com design futurista que
parece mais uma concept bike do que
uma moto de produção, que lhe valeu honras de exposição no Museu de Arte
Moderna de Nova York (MoMA), na XI
Triennale de Milão de 1957 e mais recentemente um 1.º prémio
no Concurso de Elegância de Villa d'Este de 2015.
Um magnífico
museu de características únicas em Portugal, fruto do trabalho meticuloso de
Paulo Sá e Cunha que levou quatro décadas para reunir todos os exemplares da histórica
Motom, uma marca importante durante o chamado “milagre económico italiano”, um
período de grande crescimento económico em Itália entre o fim da Segunda Guerra
Mundial e o final da década de 1960 (em particular os anos 1958/63).
Para além
da dedicação à Motom, que o leva inclusive a participar nos encontros anuais de
aficionados da marca no Autódromo de Monza, Paulo Sá e Cunha tem na sua garagem
uma interessante colecção de automóveis da Auto Union DKW, a histórica marca alemã
associada a motores a 2 tempos, bem como alguns outros exemplares de diferentes
marcas. De “encher o olho” são os Auto
Union DKW 1000 Sp (o “Ford Thunderbird europeu”) e um imponente Jaguar
E-Type V12.
Informações
Morada: Curvos, Esposende
E-mail: psc@zonmail.pt
Horários: Domingo de manhã (com
marcação prévia por e-mail)
Entrada: Livre
Fontes: Associazione Nazionale Motom, Associação
Portuguesa do Motociclismo de Época, Município
de Esposende, SóClássicas
Parabéns pelo magnífico trabalho de preservação e coleção dum pedaço de história do mundo motociclista. A excelência da coleção é visível. Deveria ser mais divulgado. Não conhecia essa marca de motos.
ResponderEliminarMeu amigo como eu sei o. Orgulho que tem do tesouro cultural que possui cada peça é como um filho bem haja que tenha saúde para mostrar ao mundo a sua família
ResponderEliminarTenho que visitar esta Exposiçao. Meu falecido Pai, teve uma Motom e por aquilo que li e me lembro em criança a mesma pertence á 4 fase. O arranque do motor ja era feito por kics e o travao da roda traseira era feita por pedal apoiado no patim esquerdo.
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