terça-feira, 20 de junho de 2023

Marroco Xperience Tour 2022 #4/10

Dia 4: Marrocos (Agoudal – Ouarzazate)
 
Acordar cedo numa aldeia de montanha é uma sensação única. Felizmente que a chuva parecia já ter abandonado esta região do Atlas. E como depois de uma tempestade vem sempre a bonança, apesar do céu ainda se manter algo carregado, o sol ia dando um ar da sua graça e brindou-nos com um bonito espectáculo de luz e cor em Agoudal.
 
Fantástico espectáculo de luz e cor em Agoudal.
 
As crianças faziam a sua caminhada matinal para a escola. Ao passarem junto ao albergue, a curiosidade era naturalmente grande para com os visitantes estrangeiros que ali tinham pernoitado. Não demorou muito tempo a aproximarem-se. “Un stylo, monsieur” (uma caneta, senhor), pediam algumas meio envergonhadas. Ofereci o que tinha, “voici des bonbons”, alguns rebuçados para cada um dos miúdos. “Merci, monsieur” (obrigado, senhor), responderam talvez um pouco desapontados mas com um sorriso na cara. Por vezes com pouco se faz muito e quem dá o que tem...
 
As crianças e a sua natural curiosidade (Agoudal).
 
Mais um fantástico dia em prespectiva pelo Marrocos esquecido. O plano de viagem para esta quarta etapa do Marroco Xperience Tour 2022 passava por continuar a atravessar o Alto Atlas em direcção às Gargantas do Todgha e ao Palmeiral de Tinghir, terminando a jornada no final da tarde em Ouarzazate, também conhecida como a cidade do cinema.
 
Dia 4 – 350 km.
 
Após o pequeno-almoço e com o equipamento da moto seco (ou quase), seguiu-se a habitual azáfama da arrumação da bagagem. Preparávamo-nos então para a despedida da aldeia de Agoudal. Tempo ainda para uma última foto, com as motos alinhadas em frente do Auberge Ibrahim, para mais tarde recordar.
 
Prontos para mais um dia pelo Marrocos esquecido (Agoudal).
  
A “ordem de marcha” foi dada com o céu a ficar cada vez mais cinzento. Os receios de uma manhã igual ao final do dia anterior assolavam novamente as mentes de alguns elementos do grupo. Felizmente que tudo não passou de uma ameaça e à medida que os quilómetros foram passando, o tempo começou a abrir, com o sol e os tons azuis do céu a iluminarem a paisagem.
 
Construção com adobe nas casas das aldeias do Atlas.
 
As cores fortes e os diferentes contrastes despertaram-nos os sentidos.
 
Com duas dezenas de quilómetros percorridos passámos no Col du Tirherhouzine, que fica a cerca de 2.700 m de altitude (um col é o ponto mais baixo entre dois picos de uma cordilheira, mas tende a ser mais associado a montanhas do que a cordilheiras). Aqui efetuámos uma breve paragem para contemplar a grandiosa vista panorâmica sobre as montanhas que este local proporciona.
 
Passagem no Col du Tirherhouzine (2.700 m de altitude).
 
Cerca de uma hora depois chegámos às famosas Gorges du Todgha, um desfiladeiro na parte oriental da cordilheira do Alta Atlas, situado a noroeste da cidade de Tinghir. Aqui, o Oued Todgha (rio que nasce nas montanhas do Alto Atlas e desaparece no deserto do Sahara) escavou um desfiladeiro muito profundo e estreito, ladeado de escarpas muito íngremes que chegam a ter perto de 200 metros de altura nos últimos 40 km do percurso através das montanhas. Os últimos 600 metros constituem o trecho mais espetacular, onde fica ainda mais estreito, não ultrapassando os 10 m de largura em algumas zonas, e é ladeado por paredes praticamente verticais de rocha macia que atingem os 160 m de altura.
 
As imponentes Gorges du Todgha.
  
Esta zona é habitada por uma só etnia berbere autóctone, os Todgha, que não tem quaisquer relações com as tribos amazighes vizinhas. O vale estende-se desde as gargantas por cerca de 50 km, formando um dos oásis mais pitorescos e coloridos de Marrocos. Este local bastante fértil às portas de Tinghir alberga o maior palmeiral de Marrocos, o Palmeraie de Tinghir, muito denso e alongado que ocupa as margens do rio.
 
É um dos palmeirais de tamareiras situados a maior altitude, mas nos últimos anos as tamareiras têm vindo a ser substituídas por oliveiras, as quais já existiam tradicionalmente, mas em menor número. A vista é realmente espectacular e não é de estranhar que seja um dos locais mais turísticos e visitados nesta região do Atlas.
 
O grandioso Palmeiral de Tinghir.
   
Seguindo pela estrada junto ao palmeiral, pelo planalto que separa o Alto Atlas do Jbel Saghro (Monte Saghro, um dos extremos do Anti-Atlas), cerca de meia dúzia de quilómetros depois entramos na cidade de Tinghir, capital da província homónima. Aqui efectuámos uma paragem num posto de combustível para abastecer as motos de gasolina e os condutores de água, antes de entrarmos na cordilheira do Anti-Atlas. O preço “de l'essence” em Marrocos ronda habitualmente os 15 Dh/l (1,5 €/l aprox.).
 
As moped são bastante comuns em Marrocos e utilizadas para todo o tipo de funções, como a Gacela Super Cub (variante local da Honda Super Cub) ou a MBK Citizen, por exemplo (Tinghir).
  
A organização tinha preparado um trajecto alternativo e mais “rústico” para a travessia do Anti-Atlas, mas atendendo à pouca confiança demonstrada por alguns dos participantes quando confrontados com situações diferentes do habitual, fora da sua zona de conforto, o mesmo acabou por não ser seguido. Não nego que fiquei com alguma pena, ainda para mais estando num Xperience Tour...
 
Considerações à parte, a rota que foi seguida levou-nos até um abrigo de montanha a 2.300 m de altitude. Rodeados de uma esplendorosa vista, aqui fizemos uma pausa para esticar as pernas e tomar um chá no Café & Restaurant Tizi n'Tazazert.
 
Pausa para um chá no ‘Café & Restaurant Tizi n'Tazazert’ (abrigo de montanha a 2.300 m de altitude).
   
Através de pitorescos oásis junto à estrada, seguimos em direcção à vila de N’Kob, um município rural que faz parte da província de Zagora e da região de Drâa-Tafilalet. A par de Tazzarine, é a maior povoação da zona montanhosa do Jbel Saghro, uma área tipicamente berbere habitada pela tribo Aït Atta.
 
Um pitoresco oásis nas montanhas.
  
Em pleno Marrocos profundo, fora dos roteiros turísticos mais comuns, N’Kob situa-se na chamada rota dos mil kasbahs (habitações fortificadas). Diz-se inclusive que é a localidade com mais kasbahs do país, alguns em muito bom estado. Mas a paragem da nossa caravana nesta localidade acabou por ter outro propósito, já que foi aqui que nos sentámos à mesa para almoçar, no Café Restaurant Merzouga.
 
Almoço no ‘Café Restaurant Merzouga’ (N’Kob).
  
Depois de degustarmos os pratos típicos da gastronomia local, fizemo-nos novamente à estrada para os últimos 140 km do dia com destino a Ouarzazate, pelo Vale do Draa (o rio mais longo de Marrocos, com 1.100 km de comprimento, que até define parte da fronteira entre Argélia e Marrocos), o troço mais espetacular da estrada N9.
 
A natureza no seu estado mais puro (Vale do Draa).
  
O famoso deserto marroquino não estava muito longe, mas as dunas com as suas areias douradas não faziam parte do roteiro do Marroco Xperience Tour. Chegámos então ao final da tarde a Ouarzazate, a capital da província homónima que faz igualmente parte da região de Drâa-Tafilalet.
 
Popularmente apelidada de “porta do deserto” e de “Hollywood marroquina”, a cidade de Ouarzazate é o centro nevrálgico de uma vasta região do sul do país, de transição entre as montanhas do Atlas e o deserto do Sahara. É também um dos locais de Marrocos mais usados como cenário por realizadores de cinema de todo o mundo.
 
Ficámos alojados no Hotel Karam Palace, curiosamente não muito longe do Museu do Cinema, bem como do Kasbah de Taourirt (antigo palácio-fortaleza do Pacha Thami El Glaoui), um dos símbolos da cidade.
 
Alojamento no ‘Hotel Karam Palace’ (Ouarzazate).
    
Após o jantar no restaurante do hotel e o briefing da organização com as indicações para o dia seguinte, seguiu-se um pequeno passeio nocturno até à movimentada Praça Al-Mouahidine para “esticar as pernas”. De referir ainda que durante a caminhada, tanto à ida como no regresso ao hotel, fomos discretamente acompanhados por uma viatura das autoridades policiais locais com elementos à paisana! Seria para nossa protecção? Quero acreditar que sim, apesar de nunca ter sentido qualquer tipo de insegurança nos locais por onde passámos.
 
Passeio nocturno por Ouarzazate.
  
Continua...