quarta-feira, 17 de junho de 2020

Na “Pérola do Atlântico” #2/8

Dia 2 (11 de Setembro) – Chegada ao Funchal e subida ao Curral das Freiras

Com o amanhecer do novo dia chegava finalmente ao fim a longa, fria e desconfortável noite passada, mais sentado do que deitado, numa cadeira do ‘Volcán de Timanfaya’. Agora entendo o porquê de muitas pessoas levarem cobertores e até colchões insufláveis para dentro do ferry...

Depois de um reconfortante desayuno tomado no bar (no restaurante self-service também servem pequenos-almoços), composto por um café con leche en vaso largo e um bocadilho de jamon y queso, as energias ficaram repostas e foi tempo de ir esticar as pernas e apanhar um pouco de ar (e vento) no deck superior do navio.

Esticar as pernas e apanhar um pouco de ar (e vento).

Entretanto apercebi-me que a duração da viagem iria ser um pouco maior que o esperado, talvez resultado das correntes marítimas e do vento forte que se fazia sentir. Assim e depois de mais uma sessão de filmes para entreter, chegava a hora do almoço. De novo no restaurante self-service, desta vez optei por uma refeição mais ligeira para não ir de barriga cheia para cima da moto.

As milhas foram passando a um ritmo muito próprio das viagens marítimas. Lentamente, a linha do horizonte começou a ficar interrompida por uma forma irregular e volumosa. Era a Ilha de Porto Santo, famosa pela sua praia de areia amarela com 9 km de extensão (uma das 7 Maravilhas de Portugal na categoria de Praia de Dunas). Foi o primeiro avistamento de terra desde que tinha saído de Portimão, no dia anterior.

Ilha de Porto Santo.

Estávamos então na derradeira fase da viagem, agora melhor acompanhados com a presença das ilhas por perto. O avistamento seguinte foi o das Desertas, as quais constituem a Reserva Natural das Ilhas Desertas, classificada também como reserva biogenética pelo Conselho da Europa.

Ilhas Desertas.

Até que, finalmente, aproximava-se a tão esperada Ilha da Madeira, com a Ponta de São Lourenço em destaque como que a fazer de cicerone para os turistas que estavam a chegar à “Pérola do Atlântico”.

Finalmente a Ilha da Madeira (Ponta de São Lourenço).

Mas as boas vindas não foram só dadas pela Ponta de São Lourenço, já que um grupo de golfinhos simpaticamente apareceu para acompanhar o navio durante alguns minutos, para grande entusiasmo de todos os que se encontravam no varandim superior a observar a paisagem.

Um grupo de golfinhos veio dar as boas vindas.

A entrada no Porto do Funchal foi efectuada sob um céu cinzento mas com uma temperatura amena. O ferry foi sendo manobrado com mestria pela tripulação, segundo as orientações do piloto local, até à sua atracação no respectivo cais.

Tempo cinzento mas ameno na chegada ao Porto do Funchal.

Já passava das 16:00 quando a Tiger 800 começou finalmente a rolar em solo funchalense, percorrendo a Avenida Sá Carneiro (junto ao CR7 Museu) e a florida e movimentada Avenida do Mar, uma das principais artérias da cidade, até ao início da zona histórica. Daqui, por ruas apertadas e piso irregular, segui até à Igreja e ao Miradouro do Socorro, nas traseiras da Fortaleza de São Tiago.

O desembarque do ferry.

Igreja do Socorro.

Mesmo ao lado situa-se a Vitorina Corte Guesthouse, uma casa familiar do século XIX actualmente transformada num elegante alojamento local. Apesar de uma pequena confusão com as datas da reserva (mea-culpa), o check-in acabou por decorrer sem problemas. A moto ficou estacionada num espaço delimitado (e de alguma forma protegido) por um conjunto de pilaretes metálicos, mesmo junto à fachada do edifício.

Vitorina Corte Guesthouse, Funchal (não, o pilarete torto não foi obra minha LOL).

A zona histórica, mais conhecida por zona velha, é um ponto de interesse cultural e arquitectónico do Funchal. As suas ruas estreitas e as casas pitorescas transpiram história, destacando-se a Rua de Santa Maria, uma das mais antigas da ilha, que foi o centro do movimento artístico artE de pORtas abErtas, um projecto inovador de arte criado com o objectivo de revitalizar esta zona da cidade, dando nova vida a portas de casas, lojas abandonadas e espaços deteriorados, que se tornaram telas para os artistas.

artE de pORtas abErtas (Rua Portão de São Tiago, 2).

Mas este não era o dia planeado para conhecer os cantos à cidade. Então, para aproveitar o resto da tarde e começar a “tomar o pulso” às desafiantes estradas da Madeira, nada melhor que uma subida ao Curral das Freiras e ao Miradouro Eira do Serrado, no interior montanhoso do concelho de Câmara de Lobos, bem no coração da ilha. E que subida! O trajecto foi feito inicialmente pela rápida VR1 e depois pela íngreme e sinuosa ER107.

Funchal – Curral das Freiras – Funchal.

O Miradouro Eira do Serrado ergue-se a uma altitude de 1.095 m e oferece uma fantástica panorâmica sobre o vale onde assenta a freguesia do Curral das Freiras e as grandiosas montanhas do maciço central que a rodeiam. Conta a história que em 1566, as freiras do Convento de Santa Clara, ao fugirem de piratas que atacavam o Funchal, encontraram aqui refúgio, levando consigo o tesouro do convento. A freguesia é bastante isolada, e muitos dos seus habitantes vivem do que a terra produz. Um dos acontecimentos locais é a Festa da Castanha, em Novembro.

Curral das Freiras visto do Miradouro Eira do Serrado.

Cerca de 2 km depois de sair do Miradouro Eira do Serrado e ainda na estrada de ligação à ER107, o plano inicial passava por seguir montanha adentro em direcção aos Miradouros do Paredão e ao Miradouro do Pico do Areeiro, situado no terceiro pico mais alto da ilha da Madeira (1.818 metros de altitude), depois do Pico Ruivo e do Pico das Torres. Confesso que desisti da ideia após ter analisado o acesso existente, uma estreita e extremamente íngreme subida que não me inspirou muita confiança. Talvez numa próxima oportunidade...

“Chega de emoções fortes para este primeiro dia em solo madeirense”, pensei eu. O certo é que tudo o que sobe tem que descer, e daqui até ao Funchal tive que manter os sentidos bem alerta para evitar qualquer surpresa menos agradável. Até porque os condutores locais são... digamos... bastante afoitos ao volante, especialmente na passagem pelos cruzamentos e rotundas.

Largo do Corpo Santo, Funchal.

O final da tarde apresentava-se magnífico, com sol e uma temperatura bastante amena, convidando a um descontraído passeio pelas pitorescas ruas da zona velha. Este é um local de grande animação nocturna e excelente gastronomia, da qual é especialmente difícil resistir aos aperitivos (as Lapas e o Bolo do Caco, por exemplo) e ao peixe (o Atum, o Peixe-Espada Preto, etc.) que tem um lugar especial na culinária da Madeira devido à ancestral tradição pesqueira.

Foi então por aqui que começámos a provar algumas destas iguarias madeirenses, escolhendo o Bolo do Caco (uma espécie de pão de trigo servido quente com manteiga de alho e salsa) para entrada, seguido do Filete de Espada e do Bife de Atum com batata salteada, acompanhados por salada. Tudo excelente e com um toque de originalidade. E para quem não tem no vinho a sua bebida de eleição à mesa, é difícil não escolher uma das especialidades locais Brisa Maracujá ou Cerveja Coral.

Filete de Espada e Bife de Atum com batata salteada e salada.

O dia terminou com uma tranquila caminhada pela promenade (Avenida do Mar) ao longo da orla costeira, a contemplar o Atlântico, as embarcações atracadas na Marina, os jardins bem cuidados e as esplanadas ao luar, tudo devidamente enquadrado por uma iluminação cuidada e apelativa.

Hotel Porto Santa Maria, Funchal.

Continua...