quarta-feira, 24 de fevereiro de 2021

Cinal-Pachancho Competição

Oficialmente, Portugal só começou a ter um campeonato nacional de velocidade para motos de 50cc a partir do início da década de 1970, mas as corridas nacionais com máquinas desta cilindrada começaram bem antes, em meados dos anos 50, quando foi criado um troféu, na altura também chamado de “campeonato”. Para além da Pachancho, a categoria era disputada pelas outras grandes marcas de ciclomotores da época como a Alpino e a Motom (através dos seus importadores), juntamente com alguns montadores com motorizações Cucciolo (Ducati) e Lutz.
 
Cinal-Pachancho KSC de competição (1958). Via
 
A luta entre as equipas dos importadores da Alpino e da Motom, que contavam com o apoio das respectivas fábricas, prometia ser o centro das atenções mas apesar da Alpino ter conseguido obter algumas vitórias, a grande dominadora acabou por ser a equipa da Pachancho com as suas velozes máquinas superiormente pilotadas por José A. Maia de Castro (“Taxista”), José da Silva Ferreira (“Silvinha”), José Martins Ferreira (“Titarola”) e Fernando Pinheiro da Silva.
 
O prestígio da vitória na competição foi tal que estes quatro homens, todos funcionários da Pachancho, tornaram-se verdadeiras atracções públicas, sobretudo na cidade de Braga, a capital minhota onde a marca tinha a sua sede e onde era uma verdadeira instituição.
 
Equipa oficial Pachancho “Campeã Nacional” de 50cc (1956/57). Via
 
Nesta época, a Fábrica Nacional de Pistões PACHANCHO – António Peixoto, L.da era considerada a maior organização portuguesa da indústria metalúrgica especializada em peças para motores. Para além dos pistões, produzia também segmentos de vários tipos, camisas de cilindros, cavilhas para bielas, mangas de eixo, molas, amortecedores e bronzes, entre outros, que abasteciam o mercado interno e ultramarino, bem como alguns países para onde eram exportados, como a Holanda, Brasil, Congo Belga, Suécia e Estados Unidos da América.
 
Anúncio da Fábrica Nacional de Pistões PACHANCHO. Via
 
O seu fundador, António Gomes do Vale Peixoto (“Pachancho” de alcunha), nascido a 25 de Dezembro de 1890, em Braga, de origem modesta, começou por se estabelecer numa pequena oficina de serralharia mecânica na Rua de Santo André n.º 46, inaugurada em 20 de Outubro de 1920. Com o crescimento do negócio, no início da década de 1940 compra vastos terrenos em Infias, nos subúrbios da cidade, onde veio a ser instalada a nova fábrica, inaugurada em 1947 (documentário histórico Sinfonia Metálica de 1954, sobre a Fábrica Nacional de Pistões PACHANCHO).
 
A Pachancho lança-se em 1948 como fabricante de motores 50cc a 2T, mas só a 2 de Maio de 1951 será concedida a licença de fabricação dos micromotores para adaptar em bicicletas e motorizadas. Começam então a ser comercializados os primeiros ciclomotores com motor Pachancho. Para além do modelo da própria marca (o Otoxiep, ‘Peixoto’ escrito ao contrário, mais tarde alterado para 550), a empresa vende grandes quantidades de motores para a fábrica Vilar e para a Famel (montagens Vilar-Pachancho e Famel-Pachancho).
 
Em Portugal já proliferavam motores italianos quando este começou a ser vendido, mas a maioria eram fracos e o verdadeiro rival acabou por ser o Cucciolo (Ducati), embora este motor a 4T fosse mais caro. O motor Alma, português de raiz, apesar de mais barato era menos potente que o Pachancho e vibrava mais. Entretanto a fábrica começa também a produzir motores a 4T, industriais, para acoplar a bombas de água (grupos moto-bombas).
 
Para acompanhar a rápida evolução do mercado dos ciclomotores e modernizar as suas máquinas com motor Pachancho, por volta de 1953/54 António Peixoto, que já contava com os seus filhos na fábrica, especialmente com Zacarias do Vale Peixoto, seu braço direito, decide fazer uma parceria com António Carvalho Araújo (ACA, proprietário à data da Fábrica de Motores Alma) e formam a CINAL – Consórcio de Indústrias Metalomecânicas Nacionais, com sede na Rua de Santa Catarina n.º 620-624, no Porto. Com a ACA a fornecer as montagens e a Pachancho os motores (tipo ‘P’ e tipo ‘KS’), é criada uma nova gama de motorizadas comercializadas sob o nome Cinal-Pachancho.
 
Logotipo da Cinal Pachancho. Via (Revista DaMotoClássica n.º 5, página 24 – Agosto de 2008)     
 
Em 1955, foi criada uma equipa de competição para promover a marca, com máquinas preparadas pela própria fábrica. O combustível utilizado em competição era a gasolina de 120 octanas com uma mistura (secreta) de óleo de rícino e grafite. O carburador utilizado era um Dellorto-19S. O Magneto e velas eram especiais e fornecidos pela Bosch. Estes motores eram de uma minúcia e precisão fantástica para a época. Faziam 12.000 rpm e foram cronometrados na pista do antigo estádio das Antas a 124 km/h.
 
Elementos da equipa oficial Pachancho junto à carrinha de apoio. Via 
 
 
 
A criação dos modelos de competição da Pachancho e a preparação dos seus motores de 50cc foi, muito provavelmente, inspirada pela motorizada que José Machado Gomes (proprietário dos Armazéns AIRAF, em Lisboa) tinha concebido uns tempos antes utilizando um motor Pachancho.
 
Segundo José Gomes, em 1953, por ocasião de uma reunião anual de agentes da fábrica de Braga (para onde se deslocou com a motorizada), António Peixoto terá ficado muito intrigado com sua máquina e com o poder de aceleração da mesma, ao ponto de lhe ter perguntado como tinha conseguido inverter o cilindro, colocando o carburador à frente e o escape para trás. De regresso a Lisboa, José Machado recebeu uma carta da Pachancho a felicitá-lo pela sua motorizada, na qual, entre outras questões, inquiria sobre o contacto onde tinha conseguido o carburador Dellorto.
 
Via  
 
  
Em termos desportivos, a prova de Montes Claros (Lisboa) do campeonato nacional de velocidade de 1957 ficou para a história pela esmagadora vitória da equipa Pachancho na corrida de 50cc que na altura era, a par das scooters, a categoria de motos de maior crescimento.
 
A concorrência era feroz e esta corrida de Monsanto acabou por ser especial, porque a Pachancho, graças a uma estratégia digna de uma equipa profissional dos dias de hoje, conseguiu conquistar o primeiro, o segundo, o terceiro e o quinto lugar no final da corrida. O vencedor absoluto foi o piloto José Ferreira (Titarola) #44, que curiosamente viria a assinar o seu nome no livro de honra mesmo por baixo do nome do famoso piloto Juan Manuel Fangio, vencedor da corrida de carros de Sport que se realizou nesta mesma data.
 
    
 
 
Graças à grande qualidade e excelência técnica das suas máquinas, juntamente com a mestria dos seus pilotos oficiais, a Pachancho ganhou uma enorme reputação desportiva, sagrando-se “Campeã Nacional de Velocidade” em 50cc entre os anos 1956 e 1959, superiorizando-se assim a toda a concorrência durante a segunda metade da década de 50 do século passado.