segunda-feira, 8 de fevereiro de 2021

Velódromo de Palhavã

A actual Praça de Espanha, uma das zonas mais movimentadas da cidade de Lisboa, é um local cheio de histórias e curiosidades. Foi durante muito tempo conhecida como Palhavã 1, uma denominação que remonta ao século XII e que prevaleceu até à segunda metade do século passado. Um dos seus ex-líbris é o Palácio de Palhavã, um belo edifício senhorial do século XVII que serviu de residência a vários condes e nobres. Depois de adquirido pelo Estado do país vizinho em 1918, é a actual residência do Embaixador de Espanha em Portugal.
 
Por aqui existiu outrora uma grandiosa infraestrutura dedicada (essencialmente) ao ciclismo, um dos desportos mais populares do início do século XX: o Velódromo de Palhavã! Foi inaugurado no dia 14 de Maio de 1905, ainda no reinado de D. Carlos I, e a sua construção deveu-se à iniciativa privada de três entusiastas da velocipedia: José Eduardo d’Abreu Loureiro, Fernando Belard da Fonseca e Frederico Carlos Rego.
 
O Velódromo de Palhavã (Revista ‘Occidente’ n.º 957 – 30 de Julho de 1930). Via
 
Em Portugal, o ciclismo já foi considerado o desporto da moda entre as elites. Para chegarmos a esse momento da história, temos de recuar ao tempo da monarquia, até finais do século XIX, altura em que começam a ser construídos os primeiros velódromos em território nacional.
 
Na Lisboa dessa época, o Parque de Santa Gertrudes 2, localizado no extremo da Estrada de S. Sebastião, delimitado pela Estrada de Palhavã e pela Estrada do Rego, correspondia ao fim administrativo da cidade de Lisboa, constituído por um anel de quintas de recreio que marcavam a transição entre o espaço urbano e uma paisagem desenhada por hortas, pomares, olivais, planícies de cereal e florestas de carvalho.
 
No ano de 1883, a viúva do proprietário José Eugénio de Almeida, D. Maria das Dores Pinto, cede o Parque de Santa Gertrudes para a instalação do Jardim Zoológico e de Aclimatação de Lisboa, que aqui permanecerá durante dez anos. Em 1894, o Jardim Zoológico foi obrigado a contentar-se apenas com os terrenos da Palhavã, contíguos a Norte aos de São Sebastião da Pedreira, que arrendara para as suas novas instalações.
 
Foi precisamente neste local que, em 1905, seria implementado o Velódromo de Palhavã. A sua construção, a par de todas as comodidades que oferecia aos espectadores, dotou a capital com um melhoramento importante, ao nível das grandes cidades europeias. Para um melhor enquadramento na actual configuração da cidade, de referir que a pista e as bancadas do Velódromo estavam localizados onde é hoje a Avenida de Berna, sendo a entrada para o recinto efectuada pela antiga Estrada de Palhavã (no final da Av. António Augusto de Aguiar), em frente à Embaixada de Espanha.
 
Localização do Velódromo de Palhavã (Planta Topográfica de Silva Pinto publicada em 1909 vs. vista aérea actual). Via
 
Entrada do Velódromo pela Estrada de Palhavã, diante do Palácio da Palhavã (Revista ‘Illustração Portugueza’ n.º 306 – 1 de Janeiro de 1912). Via
    
Durante mais de duas décadas, aí tiveram lugar importantes provas de ciclismo (incluindo muito provavelmente as chamadas corridas de meio-fundo, onde eram utilizadas motos do tipo da Anzani V-Twin 3.000cc exposta no Museu da Moto Antiga em Rossas, Vieira do Minho) e viveram-se algumas das primeiras experiências automobilísticas na capital.
 
Corrida de ‘biciclettas’ no Velódromo de Palhavã. Via
 
Corrida de ‘motocycletas’ no Velódromo de Palhavã (9 de Julho de 1905). Via
 
Aos olharmos as imagens da época, podemos constatar a intensidade com que as pessoas viviam os momentos de espectáculo oferecidos no Velódromo. Para além da pista com um perímetro de 333,33 metros, que revestida a cimento e com viragens estabelecidas de modo a permitirem uma velocidade de 80 km/h podia albergar não só o ciclismo como provas de sport em motos e automóveis, passaram pelo seu recinto concursos hípicos, ascensões de balões, lançamento de papagaios e até duelos. Havia o relvado, as bancadas, a Tribuna Real pomposamente decorada, tendo na frente um coreto de música, e até um restaurante com terraço panorâmico para o velódromo.
 
A Tribuna Real do Velódromo de Palhavã. Via
 
Corridas promovidas pela União Velocipédica no Velódromo de Palhavã (9 de Julho de 1905). Via
 
Gincana automóvel no Velódromo de Palhavã em 1925 (Citroën 5CV Type C3 Torpedo). Via 
  
Os concursos hípicos também tinham lugar no Velódromo de Palhavã. Via 
 
Ascensões de balões no Velódromo de Palhavã. Via
 
Lançamentos de papagaios no Velódromo de Palhavã. Via
 
Após quase três décadas de existência, em 1943 o Velódromo de Palhavã deu lugar à Feira Popular de Lisboa, que por lá esteve até 1957. Desde 1969 que o local serve de morada à Fundação Calouste Gulbenkian.
 
 
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1 Até ao século XIX, Palhavã estava nos “arrabaldes” da cidade, começando a desenvolver-se depois da construção das estradas da Circunvalação e do Rego, enquanto no início desse século passou a servir de ponto de encontro às avenidas de Berna, António Augusto de Aguiar e Columbano Bordalo Pinheiro. Nos anos 70 do século XX, tornou-se um importante acesso à zona norte da cidade, depois de projetada a Avenida dos Combatentes. A anteriormente denominada estação do metro de Palhavã (construída em 1959) chegou a ser uma das mais importantes da cidade, servindo de interface com a empresa de autocarros Rodoviária Nacional para a margem sul do Tejo. Nos arredores funcionou também o chamado Mercado Azul, que surgiu nos anos 1980 com contentores que começaram por alojar alguns vendedores que estavam no Martim Moniz, transferidos com o objectivo de reabilitar esta última zona.
 
2 Anterior propriedade agrícola nos séculos XVIII a XIX, denominada Quinta do Provedor dos Armazéns e propriedade de Fernando Larre, foi uma quinta de recreio, como muitas que então caracterizavam os arrabaldes das principais cidades portuguesas, com edifício, jardim, pomar, horta, vinhas e campos de cereal. Em 1861, palácio e quinta são adquiridos por José Maria Eugénio de Almeida, Par do Reino e Conselheiro de Estado, e esta aquisição vai significar uma enorme transformação deste espaço. A obra de remodelação inicia-se em 1866 e termina em 1870. O Parque de Santa Gertrudes, como então seria designado, foi batizado em homenagem a sua mãe.

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