quinta-feira, 15 de agosto de 2019

20º Festival Intercéltico de Sendim

Cinco anos passaram após a minha última visita ao Nordeste Transmontano para assistir ao Festival Intercéltico de Sendim (FIS), o reputado festival internacional de música folk de inspiração celta que habitualmente se realiza durante o primeiro fim-de-semana do mês de Agosto no Concelho de Miranda do Douro. Estava então na altura de levar a Tiger 800 a conhecer o Planalto Mirandês, uma região agreste mas extremamente bela, de fortes tradições culturais e gastronómicas, inserida na área protegida do Parque Natural do Douro Internacional.

Cartaz. Via 

As actividades programadas pela organização para o dia de Sábado (3 de Agosto) desta 20.ª edição do festival eram muitas e variadas. Mas antes de rumar à Vila de Sendim, impunha-se um descontraído passeio pelas retorcidas estradas da região, que acabariam por me levar até à Praia Fluvial Foz Rio Sabor (perto de Torre de Moncorvo), uma zona de grande beleza onde o Sabor se encontra com o Douro, com a particularidade de neste local o Rio Douro correr de Sul para Norte!

Praia Fluvial Foz Rio Sabor (Foz do Sabor, Torre de Moncorvo). 

E para provar que a gastronomia local não se esgota na Posta à Mirandesa e na Alheira Transmontana, nada melhor do que dar um salto à pequena povoação de Cabanas de Baixo para degustar uns típicos Peixes do Rio e Migas, uma iguaria bastante apreciada que até tem honras de festival, precisamente o Festival das Migas e do Peixe do Rio, organizado pela Associação de Comerciantes e Industriais de Moncorvo, com o apoio da Câmara Municipal de Torre de Moncorvo, cuja edição deste ano decorreu no passado mês de Julho. 

Peixes do Rio com Migas (Cabanas de Baixo, Torre de Moncorvo). 

Debaixo de um sol fustigador, foi retomada a estrada para mais umas dezenas de quilómetros percorridos na companhia de amendoeiras, castanheiros, oliveiras, raças autóctones de bovinos e asininos mirandeses, rochas graníticas e das imponentes Arribas do Douro com paisagens magníficas. Já em Sendim, o resto do dia foi passado por entre gaitas de foles, flautas de tamborileiro, pandeiros e outros instrumentos.

As magníficas paisagens do Parque Natural do Douro Internacional. 

Bem enraizada na cultura das gentes da Terra de Miranda, a língua mirandesa em geral e o subdialecto sendinês em particular, são uma presença habitual nas ruas desta vila transmontana, especialmente através dos seus habitantes mais velhos. Um interessante contraste entre a cultura tradicional e o estilo de vida mais moderno e tecnológico dos nossos dias, mas que é importante preservar em prol das gerações futuras.

O nome das ruas escrito em mirandês e em português (Sendim). 

Diversas actividades foram decorrendo ao longo do dia, desde a madrugadora caminhada Ruta de ls Celtas (pelas arribas do Rio Douro), passando pelas actuações dos duos Lira & Paco Díez (romanceiro ibérico com sanfona e guitarra), Carlos Zíngaro & Manuel Guimarães (improvisação sobre temas tradicionais transmontanos com violino e piano) e Ana Correia & Tânia Pires (evocação/homenagem a Adélia Garcia – 1933-2016), até à apresentação do livro ‘Palimpsesto sobre vampiros, eunucos, chacais & outras bichezas e figurões na obra e na vida de José Afonso’ de Mário Correia, tudo isto na Casa da Cultura. 

Mas à medida que se aproximava o momento alto do festival, com os concertos nocturnos dos grupos musicais convidados, a movimentação e a agitação nas ruas da vila foi naturalmente aumentando. E em jeito de aperitivo, no final da tarde o grupo folk da Patagónia Melkisedeck, herdeiro da sonoridade céltico-britânica que noutros tempos emigrou para terras argentinas, brindaram o público com uma descontraída actuação no improvisado Palco da Praça, junto à Igreja Matriz.

Largo da Igreja (Sendim).


Actuação do grupo Melkisedeck junto à Igreja Matriz (Sendim). 

No lado oposto do Largo da Igreja encontra-se uma antiga residencial, em cujo restaurante alegadamente terá nascido a célebre Posta à Mirandesa. Neste local de afamada cozinha, com produtos caseiros e da região, o destaque vai naturalmente para a Posta e para a Alheira, sem esquecer o Queijo acompanhado de Compotas Caseiras variadas para a sobremesa. Mesmo não sendo o meu restaurante de eleição para comer a posta, continua a ser uma referência na terra, com lotação esgotada durante os dias em que decorre o Intercéltico. 

Alheira para entrada e Posta à Gabriela (Sendim). 

Por volta das 21h30m teve início a ronda do Grupo de Gaiteiros da Lérias (Palaçoulo), com o propósito de chamar o povo e acompanhá-lo durante os cerca de 300 m que separam o Largo da Igreja da ”Aldeia dos Zoelas”, no recinto da antiga escola primária, local onde terminavam as arruadas musicais e onde estava colocado o Palco Fundação Inatel que acolheu os três concertos da noite. Esta localização acabou por ser uma novidade para mim, pois nas edições do FIS em que estive presente (2014, 2013, 2012 e 2010) os concertos realizaram-se sempre no Parque das Eiras, junto dos Bombeiros.

Ronda dos Gaiteiros Mirandeses desde o Largo da Igreja até à “Aldeia dos Zoelas” (Sendim). 

Com o bilhete de acesso comprado (€ 10,00), foi então neste recinto “(...) mais intimista e acolhedor e que vai proporcionar concertos mais para ouvir do que propriamente para dançar criando assim um novo diálogo entre músicos e público”, conforme refere Mário Correia, o rosto da organização e o grande dinamizador do FIS, que subiram ao palco os Dobra (Astúrias), do celebrado virtuoso da gaita-de-foles Xuacu Amieva, para a primeira actuação da noite. E que actuação! 

Apesar da sempre ingrata tarefa de ter que “aquecer” o público, a mestria de Xuacu Amieva, uma das figuras mais prestigiadas e reconhecidas no contexto da música tradicional asturiana, com uma grande trajectória como gaiteiro, professor de gaiteiros e multi-instrumentista em diversas formações folk, onde se destaca a colaboração com os irlandeses The Chieftains no seu disco Santiago (onde também participou o músico português Júlio Pereira) tocando o tema ‘El besu’, trabalho este que obteve um Grammy em 1997, deu um verdadeiro recital de gaita-de-foles durante a apresentação do último disco ‘Carombu’ e que, juntamente com os restantes elementos do grupo, deixou os espectadores ao rubro com uma actuação animada e de grande qualidade.

Dobra (Astúrias) – Xuacu Amieva (voz, gaita-de-foles, flauta transversal e bandurria asturiana), José Martínez (guitarra e voz), Laura Fonseca (vigulín, bandurria asturiana e voz) e Paula Amieva (bodhran, pandeireta e voz). 

Oriundos de terras castelhanas seguiram-se os Castijazz (Castela e Leão) do flautista Carlos Soto, um dos elementos fundadores dos Celtas Cortos (que actuaram no FIS em 2014), acompanhado pelo Folk Quintet, com uma sonoridade assumidamente influenciada não só pela cultura castelhana mas também por outras culturas de outras épocas, nomeadamente de árabes e judeus que passaram pela península e deixaram uma importante marca no território ibérico.

Sem nunca esquecer o passado para a construção o futuro, o resultado desta abrangência cultural e inclusiva está bem presente no último disco ‘Tierra de Nadie’, baseado no qual decorreu a sua actuação em Sendim. Uma música de todos, numa terra que pertence a todos e que deve ser compartilhada por todos.

Castijazz (Castela e Leão) – Carlos Soto (voz, flauta trasversal, clarineau e saxo soprano), Maria Desbordes (voz, whistle e percussão), Carlos Martín Aires (guitarra acústica, guitarra espanhola, bouzouki e voz), César Diez (contrabaixo e voz), Adal Pumarabín (bateria étnica) e Rubén Villadangos (piano). 

A noite terminou em alta com a música dos Fourth Moon (Escócia), um grupo que une quatro nacionalidades (austríaca, italiana, escocesa e francesa) e quatro origens musicais diferentes numa única força criativa, que se traduz numa performance que não passa de forma alguma despercebida, tal como sucedeu neste Intercéltico de Sendim. 

Com um elogiado trabalho original de composição, uma nova sonoridade e um alto nível de interacção com o público que cativou os festivaleiros de todas as idades, dos mais novos aos mais velhos, a música dos Fourth Moon é excitante, rítmica e uma delícia para os ouvidos. Da tranquilidade à vertigem, da calma ao ritmo inebriante, a apresentação do primeiro álbum 'Ellipsis' resultou numa empolgada actuação.

Fortemente aplaudidos no final, o irreverente Andrew Waite questionou a plateia com “do you want more?”, prontamente respondido num estrondoso “yes”, ao qual correspondeu com “thank god, we weren't ready to leave yet!”. E lá se seguiram uns animados e merecidos encores.

Fourth Moon (Escócia) – Géza Frank (flauta, whistles, uilleann pipes e voz), David Lombardi (fiddle e voz), Andrew Waite (acordeão e voz) e Jean Damei (guitarra e voz).

Foi neste ambiente de grande festa sendintercéltica que foram celebrados os 20 anos de vida ininterrupta do FIS, um dos festivais mais veteranos no âmbito geográfico ibérico e que continua a renovar-se ano após ano no coração do nordeste de Portugal.

De referir ainda que com a assinatura do protocolo entre o Centro de Música Tradicional Sons da Terra e a Fundação Inatel, com o propósito preservar, manter viva e dar vida à tradição musical e cultural de Trás-os-Montes, fica assim garantida a continuidade do FIS.

Festival Intercéltico de Sendim... porque a folk merece um festival assim!   

2 comentários:

  1. Parabéns pela excelente descrição deste passeio, testemunhando o quão belo é o nosso País e como o podemos verdadeiramente desfrutar. Luísa

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  2. Obrigado Luísa ;), nunca é demais enaltecer o que existe de bom em Portugal, especialmente quando a qualidade está presente mesmo em zonas do país um pouco mais isoladas e por vezes esquecidas.

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