Dia 2 (da Sertã a Faro)
A segunda parte do percurso.
Depois de uma noite bem dormida e com o físico restabelecido, a
terça-feira (dia 8 de Setembro) amanheceu um tanto ou quanto húmida mas
solarenga, convidando ao regresso à estrada para a conclusão da travessia da
EN2. Mas ainda antes de iniciar a marcha, era importante cuidar da máquina para
evitar surpresas desagradáveis. Com a corrente lubrificada e a moto atestada, o
começo da viagem não podia ter sido melhor, com um troço a subir de curvas
largas e excelente piso, mesmo a pedir um andamento um pouco mais vivo e
empenhado para a VFR poder “esticar as pernas”.
Ainda antes de chegar à localidade de Vila de Rei, a cerca de dois
quilómetros a nordeste e em plena Serra da Melriça, encontra-se o Picoto da Melriça,
um marco trigonométrico com perto de 20 metros de altura que assinala o Centro
Geodésico de Portugal Continental (a 592 m de altitude). Um local privilegiado
para se apreciar a magnífica paisagem circundante, numa vista plena de 360º.
“Picoto da Melriça” –
Centro Geodésico de Portugal Continental.
O meio da EN2 é atingido não muito longe da saída de Vila de Rei, no km
368, um pouco antes da estrada velha passar por baixo da variante nova. Mas...
estrada velha... estrada nova!? Sim, existem duas EN2 nesta zona, a mais antiga
passa mais a ocidente (por Penedo Furado, onde o distrito de Castelo Branco dá
lugar ao distrito de Santarém, e por Carvalhal) e a mais moderna passa mais a
nascente (por Ribeira de Codes, final do distrito de Castelo Branco e início do
distrito de Santarém, e mais próximo do Sardoal). Contas feitas, quando se
juntarem mais à frente, em Abrantes, tudo bate certo.
E é precisamente em Abrantes, mais concretamente com a travessia do Rio
Tejo pela Ponte Rodoviária que liga esta cidade do Médio
Tejo à freguesia de Rossio ao Sul do Tejo, que se dá a grande transição
entre o norte e o sul do país, com o rio a marcar a verdadeira fronteira na
paisagem, onde as curvas dão lugar às grandes rectas e o verde predominante aos
tons de amarelo. Chegamos também aqui à quarta centena de quilómetros
percorridos na EN2, isto apesar de, tal como no km 200, já não existir o
respectivo marco a assinalar o local. O mais perto que encontrei foi o marco do
km 404, ainda antes de atravessar o Tejo (39º27'26.5"N 8°11'24.6"W).
Km 404 (antes de atravessar
a Ponte Rodoviária de Abrantes).
Mesmo sem provar a famosa Palha
de Abrantes, a viagem prosseguiu em direcção à cidade de Ponte de Sor onde,
poucos quilómetros antes, se entra no distrito de Portalegre. A estrada
torna-se bastante plana, sem relevo de monta, com mais rectas e menos curvas, o
que a torna até algo monótona. É o Ribatejo. Mas aos poucos os sobreiros vão tomando
conta da paisagem. A EN2 segue em direcção a Montargil, passando pela
importante infraestrutura aeronáutica que o Aeródromo Municipal de Ponde de
Sor representa para esta região (inclui escola de treino e formação de
pilotos e técnicos, base para manutenção de helicópteros Kamov de luta contra
incêndios, entre
outras valências).
Com a água da albufeira por perto mas ainda antes de atravessar o
paredão da Barragem de Montargil, sensivelmente a meio da ligação entre
Domingão e Carvalhoso (praticamente uma longuíssima recta com 20 km de
comprimento) surge uma placa que indica ao viajante que está a passar Cansado, como que a convidar a
uma pausa quiçá para ganhar ânimo antes de enfrentar as menos estimulantes
estradas alentejanas que terá pela frente.
Ao km 468 surge a placa que assinala a entrada do distrito de Évora, com
a planície a dominar a paisagem, apesar de algumas elevações de pequena
altitude. É também neste ponto que começa o concelho de Mora, onde vale a pena
uma visita ao seu Fluviário
inaugurado em 2007. A marca da quinta centena de quilómetros da EN2 já não está
longe, fica na freguesia de Ciborro e a localização do respectivo marco é
bastante original... empoleirado em cima de um muro à beira da estrada (38º47'59.8"N
8º13'41.3"W)!
Km 500 (Ciborro).
Cerca
de seis quilómetros depois, numa zona com muitos
monumentos megalíticos, surge a aldeia de São Geraldo. À saída da povoação
fica o portão de acesso à Herdade da Comenda, onde se situa a Anta
Grande que é monumento nacional.
Depois de passar o viaduto
sobre a A6 chega-se a Montemor-o-Novo, com o marco do km 522 no interior desta
cidade, que tem no seu castelo um ex-libris facilmente reconhecível (e que foi
a sua génese).
A placa que
indica a entrada na freguesia de Santiago do Escoural surge perto do km 533, ao
que se segue a localidade do Escoural e as indicações do caminho para a Gruta do Escoural, conhecida
pela arte rupestre paleolítica e classificada como monumento nacional desde
1963. Vale a pena conhecê-la, mas atenção que a gruta só pode ser visitada
mediante marcação prévia no Centro Interpretativo local.
O marco do km 550 encontra-se à entrada de Alcáçovas, terra conhecida
pelo Tratado
de Alcáçovas de 1479 (o primeiro da história mundial a definir uma partilha
do mundo entre duas potências) e que se tornou recentemente famosa devido à sua
produção artesanal de chocalhos
ter sido reconhecida pela
UNESCO como Património
Cultural Imaterial da Humanidade em 2015.
Uma longa recta com mais de oito quilómetros e algumas (poucas) curvas
depois entra-se na freguesia do Torrão, concelho de Alcácer do Sal, distrito de
Setúbal. As azinheiras e os sobreiros vão começando a rarear, aparecendo alguns
pinheiros mansos e depois, cada vez mais, as oliveiras. Perto da travessia do
Rio Xarrama (que alimenta a jusante a Barragem de Vale do Gaio e que desagua no
Rio Sado) a EN2 “anima” um pouco, num encadeado de curvas até à vila do Torrão.
Mas é “sol de pouca dura”, já que assim que se sai do Torrão, a caminho de Ferreira do Alentejo (via Odivelas) e do distrito de Beja, regressam as infindáveis
rectas alentejanas.
Por esta altura, sensivelmente a meio caminho entre Ferreira do Alentejo e
Ervidel, surge o marco com a indicação do km 600 (38º0'58.32"N
8º6'21.66"W).
Km 600 (entre Ferreira do
Alentejo e Ervidel).
A partir
daqui o olival acaba e surgem os campos de semeadura. Termina também o concelho
de Ferreira do Alentejo e começa o de Aljustrel. De Ervidel a Aljustrel são aproximadamente
15 quilómetros (da estrada à Barragem do Roxo são cerca de 2 km), com a EN2 a
subir ligeiramente e a serpentear até à vila de Aljustrel (km 618), terra de
importante actividade mineira (zinco e cobre) que, em conjunto com a Mina de
São Domingos, constituíam, nos finais do séc. XIX e princípios do séc. XX, os
principais complexos mineiros de Portugal.
São pouco
mais de duas dezenas de quilómetros para chegar a Castro Verde, novamente a
desgastar maioritariamente a zona central dos pneus da VFR em mais uma “mão
cheia” de rectas. Situada num território conhecido como Campo
Branco, esta vila tem igualmente uma intensa actividade mineira (tem a
maior mina de cobre e zinco da comunidade europeia).
Logo a
seguir ao km 650 tem início o concelho de Almodôvar, local onde, segundo alguns
eruditos, surgiu a primeira escrita no território do que é hoje a Europa
Ocidental, a singular Escrita
do Sudoeste. Fantástico! Tal como o é o troço da EN2 que liga Almodôvar a
São Brás de Alportel (cerca de 60 km), classificado em 2003 como Estrada Património
(a primeira e única no país) graças ao riquíssimo
património que a envolve. A placa que assinala o início deste lanço da estrada
encontra-se logo à saída da vila (37°30'33.2"N 8°03'12.8"W).
Início da ‘Estrada
Património’, o troço entre Almodôvar e S. Brás de Alportel.
É já em
plena Estrada Património que aparece o marco com o km
666, o número
da besta para os mais supersticiosos ou simplesmente, como é para mim, apenas
mais um número a caminho do último (e recente) marco do km 738. Ao atravessar a
Ribeira do Vascão estamos finalmente a entrar no distrito de Faro. É também a
partir daqui, depois do km 682 e tendo a Serra do Caldeirão como pano de fundo,
que começa uma verdadeira “montanha russa” de curvas que, dizem, são 365, uma por cada dia do ano.
Passando
por Ameixial, por uma Casa de Cantoneiros (propriedade da antiga J.A.E.) e pelo
Miradouro do Caldeirão, é em plena “orgia” de curvas e com os pneus da VFR já
bem arredondados, que aparece o marco do km 700 (37º17'03.7"N
7º56'29.8"W), quase no final de Vale da Rosa e meio escondido pelos rails.
Km 700 (Serra do Caldeirão).
São
Brás de Alportel (onde é difícil seguir o traçado da EN2) já não está longe,
mas antes, ao km 718, atravessa-se Alportel, importante centro do negócio da
cortiça. A serra algarvia ficou decididamente para trás. O concelho de Faro
começa depois do km 725.
O final da viagem
aproximava-se a passos largos. Com a travessia da A22 (Via do Infante) e da
povoação de Chelote, chegava finalmente o marco que assinala o Km 737 (37º02'03.0"N 7º55'52.3"W), perto da antiga
sede do Moto Clube de Faro. Uns metros mais à frente, uma placa indica a
entrada no limite urbano da cidade.
Km 737 (à entrada de Faro)
– O último marco conhecido até à recolocação do marco do km 738, em Maio de
2016.
Estava assim cumprida a minha primeira travessia integral da Estrada
Nacional 2, a maior do país, desde Chaves (Trás-os-Montes) até Faro (Algarve),
durante dois dias de intensa descoberta e fascínio por um país extremamente
belo mas, por vezes, pouco valorizado e até esquecido. Muita coisa ficou por
conhecer, é certo, mas o objectivo também não era explorar exaustivamente tudo
o que a EN2 tem para oferecer. E assim sempre tenho uma motivação acrescida
para embarcar numa nova aventura por estes caminhos de Portugal.
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