A primeira parte do percurso.
No dia 7 de Setembro de 2015 (segunda-feira), as condições atmosféricas apresentavam-se ideais para a prática do mototurismo, com bastante sol e temperatura amena. O relógio da VFR indicava 10:00 AM quando cheguei junto do marco que assinala o quilómetro zero da EN2, colocado bem no centro da rotunda flaviense que interliga a Rua Cândido Sotto Mayor com a Av. Eng.º Duarte Pacheco/N103 e a Av. D. João I/N103 (41º44'12.24"N 7º27'53.77"W). Estavam assim reunidas todas as condições para iniciar a longa viagem e apreciar o muito que a EN2 tem para oferecer.
Km 0 (Chaves) – O início.
A primeira (curta) paragem surgiu logo passados 500 metros, numa grande superfície comercial, para atestar o depósito da VFR, tomar um café e aconchegar o estômago com um saboroso Pastel de Chaves, especialidade tradicional constituída por uma espécie de folhado muito fino com carne picada no interior.
De volta à estrada, a fase inicial do percurso é percorrida na
companhia do Rio Tâmega até à freguesia de Vidago, localidade conhecida pelas
suas águas gasocarbónicas Campilho,
Vidago e Salus,
pelas suas águas termais e pelo ex-libris da vila: o luxuoso Vidago-Palace Hotel. Um pouco mais
abaixo e antes de Vila Pouca de Aguiar surge a Vila de Pedras Salgadas,
igualmente famosa pela sua estância
termal e pela água mineral Pedras.
Provavelmente
pouca gente se lembrará, mas estas localidades foram outrora conhecidas por
fazerem parte da centenária Linha Ferroviária do Corgo
que ligava a Régua
a Chaves,
cujas estações e apeadeiros tinham precisamente as designações de Campilho, Vidago,
Salus e Pedras
Salgadas (a linha foi encerrada na sua totalidade pela Rede Ferroviária
Nacional em Julho de 2010).O concelho de Chaves tinha ficado para trás e as boas vindas a Vila Pouca de Aguiar (local de chegada da edição de 2016 do Portugal de Lés-a-Lés) surgiam escritas no escudo de um guerreiro estilizado feito de granito, material omnipresente por estas paragens. Nos cerca de 30 km seguintes até à capital do distrito, a estrada segue com perfil de planalto, com rectas e zonas de curvas suaves. A entrada no concelho de Vila Real (ao km 48) marca uma mudança na paisagem, com o granito a dar lugar ao xisto e as rectas a perderem protagonismo para um traçado mais sinuoso e inclinado.
Na passagem pela cidade (km 61), por vezes referida como Vila Real de Trás-os-Montes, torna-se um pouco difícil seguir o rasto da EN2, devido aos novos acessos à cidade, bem como à A4. Nesta terra com mais de setecentos anos de existência e que foi outrora conhecida como a “Corte de Trás-os-Montes” devido ao elevado número de casas brasonadas que então tinha, vale a pena uma visita, entre outros, à Torre de Quintela, ao Solar de Mateus e, já agora, ao traçado do famoso circuito citadino 2 onde o piloto português Tiago Monteiro obteve uma histórica vitória na corrida do Campeonato do Mundo de Carros de Turismo (WTCC) em 2016.
A EN2 em Vila Real e o traçado do Circuito Internacional.
Prosseguindo pelo vale do Rio Sordo, a EN2 retoma o seu perfil mais “enrolado” a caminho de Santa Marta de Penaguião, concelho este que acolhe a já famosa “corrida mais louca do mundo”, que é como quem diz o singular evento Xassos Urban Cup, uma prova de 3 Horas de resistência para motorizadas a 2T com 50 cm3 que se realiza na Vila de Fontes (estive lá em 2014).
Ao km 84 entramos no concelho de Peso da Régua e daqui até ao Rio Douro é sempre a descer. A travessia deste imponente rio pela Ponte da Régua corresponde também à passagem do distrito de Vila Real para o distrito de Viseu. A cidade de Peso da Régua (habitualmente designada apenas por Régua) é o centro da Região Demarcada do Douro, a primeira região demarcada e reconhecida do mundo e Património Mundial da UNESCO. Fica na parte central da Linha Ferroviária do Douro, entre o Porto e o Pocinho e é ponto de ancoragem da rota fluvial de Cruzeiros que sobem e descem o rio. É também daqui que parte o troço da EN222 até ao Pinhão, num total de 27 km, o qual foi considerado como a melhor estrada do mundo em 2015 (World's Best Driving Road).
O marco que assinala a primeira centena de quilómetros percorridos na EN2 já não está longe. Fica localizado na freguesia de Sande, na ladeira da Serra de São Domingos, praticamente às portas de Lamego (41º7'4.85"N 7º47'22.18"W).
Km 100 (à saída de Sande).
Daqui até à segunda maior cidade do distrito foi um pulinho de apenas 2 km, continuando a serpentear serra acima até dar por mim no meio das festividades da Nossa Senhora dos Remédios, que também dá o nome à Romaria anual que tem o seu ponto alto a 8 de Setembro, dia do feriado municipal. Durante estes dias, Lamego oferece aos lamecenses e a todos aqueles que a visitam inúmeras actividades populares, devidamente enquadradas pelo cenário do majestoso Santuário e Escadório de Nossa Senhora dos Remédios. A gastronomia é um dos seus maiores trunfos, com destaque para os presuntos, o cabrito assado no forno e a produção de vinhos. Muitos e bons motivos para uma degustação... e foram mesmo!
Com o estômago (bem) aconchegado, onde não faltaram os famosos pasteis “lamegos”, foi tempo de me fazer de novo à estrada e às curvas para continuar a subir em direção à freguesia de Penude, local de instrução do Centro de Tropas de Operações Especiais (CTOE), popularmente chamados de “Rangers”. Mais à frente e depois de passar por Bigorne (o ponto mais elevado de toda a EN2, com quase mil metros de altitude), surgem algumas localidades com nomes curiosos como Colo do Pito (local de passagem do Rali de Portugal nas décadas de 1970 e 1980) ou Moura Morta.
A rolar planalto fora e com a mais moderna A24 por perto, a espreitar ora à esquerda ora à direita, passamos pelo município de Castro Daire a caminho da capital do distrito, a cidade de Viseu, a segunda maior do centro de Portugal, logo a seguir a Coimbra. Famosa pelas suas inúmeras rotundas (entre muitas outras coisas), a terra do herói português Viriato foi considerada pela Associação de Defesa do Consumidor (DECO) como a cidade portuguesa com melhor qualidade de vida em 2012.
A EN2 sofreu diversas correcções no seu traçado devido à construção do IP3 e dos seus acessos, dificultando a tarefa de seguir pelo caminho certo nestes locais. Apesar de manter uma atenção redobrada na sinalização da estrada, não foi possível descobrir o marco do km 200 uma vez que este já não existe. O mais perto que encontrei foi o marco do km 203, já depois de Tondela e a caminho de Santa Comba Dão, cerca de 200 m após a placa de Parceria (40º28'42.7"N 8º05'31.8"W).
Km 203 (depois da placa de Parceria).
É na passagem por Santa Comba Dão que a coisa se complica em
relação à configuração original da EN2, nomeadamente na zona da Foz do Dão (Barragem da Aguieira), onde
boa parte da estrada ficou submersa pelas águas da barragem na década de 1980.
Atravessando
então a ponte sobre o Rio Dão (IP3) e saindo de imediato para o Vimieiro, surge
a casa
onde nasceu António de Oliveira Salazar,
a personalidade mais conhecida da terra, embora nem sempre pelos motivos mais
agradáveis.Sem a antiga Ponde Salazar para atravessar o Rio Mondego (igualmente submersa tal como a aldeia de Foz do Dão), para entrar no distrito de Coimbra há que apanhar de novo o IP3, passar por Porto da Raiva (outro nome curioso) e sair no nó de Penacova (saída 12), terra conhecida como a Capital da Lampreia. Daqui até Vila Nova de Poiares, a Capital Universal da Chanfana, foi um saltinho, tendo o Mondego como companhia até cerca de metade do caminho.
Dos quatro concelhos do distrito de Coimbra que são atravessados pela EN2, o da Lousã quase nem se nota. Mas o que falta em quantidade nesta zona da xistosa Serra da Lousã, sobra em qualidade sob a forma de bonitas paisagens, curvas e bom piso. Um verdadeiro regalo para quem gosta de andar de moto. E foi com esta sensação de satisfação que cheguei à Vila de Góis, palco de uma das mais agradáveis concentrações nacionais, que visitei em 2014, a pouco mais de 25 km do marco com a indicação do km 300, junto ao acesso para Caniçal (40º1'28.86"N 8º5'16.51"W).
Km 300 (junto ao acesso para Caniçal).
Prosseguindo a bom ritmo e já em pleno distrito de Leiria, depois
de passar por mais localidades com nomes curiosos como Venda da Gaita, Picha, Escalos Fundeiros ou Senhor
dos Aflitos, a EN2 levam-nos até ao município de Pedrogão Grande, localidade
que foi palco de um trágico incêndio
florestal em Junho deste ano de 2017, considerado o maior de sempre e o
mais mortífero da história do país.
A
travessia do Rio Zêzere efectua-se pela Barragem do Cabril (com indicação do km
326 a meio do paredão da barragem), que interliga os distritos de Leiria e
Castelo Branco, ou seja, Pedrogão Grande e Pedrogão Pequeno. Mas para os mais
destemidos e aventureiros, uma opção mais radical (fora da EN2) poderá ser a
passagem pela antiga Ponte Filipina, tal como aconteceu na 18.ª
edição Portugal de Lés-a-Lés.O primeiro dia da viagem pela EN2 estava aos poucos a chegar ao fim à medida que me aproximava da Vila da Sertã. Situada na denominada sub-região do Pinhal Interior Sul, a terra de Nuno Álvares Pereira (também conhecido como o Santo Condestável) foi o local escolhido para a pernoita. Em termos gastronómicos, por aqui destacam-se o maranho e o bucho recheado, mas nem o facto do nome Sertã ser sinónimo de frigideira ajudou na escolha do local para jantar, face ao reduzido número de restaurantes abertos naquela noite. Seria por ser uma segunda-feira? No final, o repasto acabou por ter lugar bem perto do local da dormida.
Continua...
____________________
2 O Circuito Internacional de Vila Real (CIVR) disputa-se desde 1931, primeiro com automóveis e mais tarde também com motos (em 1985 e 1986, o “rei” das road races Joey Dunlop venceu as respectivas corridas de TT F1). Em 2017 (vinte e quatro anos depois da última corrida) as motas regressaram a Vila Real, com o programa do 48.º CIVR a incluir um Festival de Motos de Competição, numa espécie de antevisão do que poderá ser o aguardado regresso das duas rodas a este traçado citadino transmontano.
Sem comentários:
Enviar um comentário