terça-feira, 21 de julho de 2020

Na “Pérola do Atlântico” #4/8

Dia 4 (13 de Setembro) – Sudoeste da ilha

Depois de um dia de descanso inteiramente dedicado à cidade do Funchal, a Tiger 800 “cross road” estava pronta para ir para a estrada e começar a explorar os recantos (e encantos) da Madeira. Este primeiro dia de moto “a sério” levar-me-ia pelo sudoeste da ilha até ao Farol da Ponta do Pargo, o ponto mais ocidental, regressando depois à capital pela ER110, através da verdejante Floresta Laurissilva e pelo planalto agreste do Paúl da Serra, com direito a uma paragem estratégica em Serra de Água para provar uma das mais emblemáticas especialidades da Madeira, a Poncha!

Funchal – Câmara de Lobos – Cabo Girão – Fajã dos Padres – Ponta do Sol – Cascata dos Anjos (ER101) – Calheta – Ponta do Pargo – Achadas da Cruz – Paúl da Serra – Serra de Água – Funchal.

Deixei o Funchal com a agradável companhia do sol e de uma suave brisa matinal. A primeira dezena de quilómetros foi percorrida junto ao mar, pela Estrada Monumental, até Câmara de Lobos, um concelho com terrenos de notável fertilidade, sobretudo em cana-de-açúcar, vinho (de que é um dos centros mais afamados da Madeira) e bananas.

Com o seu pequeno porto e no fundo da enseada, a praia e cais de desembarque chamam desde logo a atenção dos forasteiros. Nesta pequena praia de pescadores, antigamente povoada por lobos-marinhos, Sir Winston Churchill pintou a baía durante umas férias que aqui passou em 1950. Memórias de outras épocas que estão reflectidas na estátua do famoso político e estadista britânico junto ao hotel Pestana Churchill Bay, bem como no mural intitulado “Lobo Marinho” do artista Bordalo II.

Baía de Câmara de Lobos.

Da baía de Câmara de Lobos (situada ao nível do mar) até ao Cabo Girão (num dos promontórios mais altos da Europa) são pouco mais de 6 km de distância, por estradas íngremes, sinuosas e por vezes estreitas, ladeadas pelo verde das bananeiras espalhadas um pouco por todo a lado. Do alto dos seus 580 m, o miradouro, famoso pela sua plataforma suspensa em vidro denominada de skywalk, oferece uma grandiosa vista sobre as fajãs do Rancho e do Cabo Girão (pequenas áreas de terra cultivadas no sopé da falésia), bem como magníficas panorâmicas sobre o oceano e os municípios de Câmara de Lobos e do Funchal. Verdadeiramente de encher o olho!

Vista do miradouro do Cabo Girão.

E por falar em fajãs, não é preciso andar muito mais para se chegar a um dos locais mais espectaculares de toda a Ilha da Madeira, a Fajã dos Padres. Até há pouco tempo, uma visita a esta fajã era por si só uma aventura. O acesso fazia-se por um elevador panorâmico, cuja descida era quase um acto de fé: cerca de 250 m a pique, acompanhando a encosta da enorme falésia! Este elevador ainda existe mas já não se encontra em serviço, sendo o transporte de passageiros agora efectuado por intermédio de um moderno teleférico.

Teleférico de acesso à Fajã dos Padres.

A Fajã dos Padres é uma pequena estância turística com excelentes condições para fazer praia e para a prática de pesca, que inclui casas de turismo de habitação para estadias de curta duração, um restaurante e incríveis vistas para o mar. Para além da cultura do vinho (vinha da casta Malvasia Cândida), esta zona conta com condições climatéricas excelentes para o cultivo de papaia, manga, abacate, banana e outras frutas exóticas como a goiaba e o maracujá, tudo em regime de agricultura biológica.

A beleza da Fajã dos Padres.

E para tornar a visita à Fajã dos Padres numa experiência única, o restaurante localizado junto à praia de calhau rolado serve uma selecção cuidada de pratos com origens na cozinha regional Madeirense, onde se destaca o peixe fresco, assim como as sobremesas e acompanhamentos confeccionados com produtos produzidos na propriedade.

Com a mesa antecipadamente reservada (aconselhável) e à sombra de um conjunto de palmeiras, o almoço começou com umas Lapas Grelhadas e o tradicional Bolo do Caco, seguindo-se o Filete de Pargo fresco grelhado e o Filete de Espada com banana, ambos acompanhados por legumes da horta salteados, terminando com uma sobremesa de frutas tropicais da produção local. Muito bom!

Lapas Grelhadas e Bolo do Caco, Filete de Pargo fresco grelhado e Filete de Espada com banana acompanhados por legumes da horta salteados, frutas tropicais da produção local.

Não foi fácil deixar para trás este lugar muito especial, confesso, mas havia outros locais, também eles interessantes, para visitar até ao final do dia. O destino seguinte seria o município da Calheta, não sem antes parar na conhecida queda de água dos Anjos, em plena Estrada Regional 101, uma antiga via que percorre todo o litoral da ilha, acompanhando o mar num animado bailado de curvas, contra-curvas, túneis e cascatas. Para lá chegar passaria ainda pelas povoações da Ribeira Brava e da Ponta do Sol, com acesso pela Via Rápida 1 e Via Expresso 3.

Chegado à vila da Ponta do Sol, o concelho mais pequeno da Região Autónoma da Madeira e onde o sol brilha durante um maior número de horas, a velha ER101 (que nalguns troços encontra-se má conservada e até perigosa devido à queda de pedras) leva-nos por entre túneis escuros e húmidos até à Cascata dos Anjos. Mesmo com pouca água, como foi o caso, não deixa de ser um local agradável e propício a umas boas fotos.

Pelos caminhos rústicos da velha ER101, Ponta do Sol.

Cascata dos Anjos, Ponta do Sol.

Numa paisagem marcada pelo mar azul e pelas montanhas verdes, a grande extensão da praia de calhau da vila da Madalena do Mar convida a tranquilos momentos de lazer. Por aqui encontra-se uma das maiores plantações de banana em toda a ilha, que prospera graças à terra fértil e clima favorável em que se encontra. Mas para todos aqueles que preferem as praias de areia amarela, a melhor opção é seguir em frente até à turística Praia da Calheta, a primeira na Madeira a importar areia (de Marrocos).

A cerca de 500 m da praia, ao lado da Igreja Matriz do Espírito Santo, ficam as instalações da Sociedade dos Engenhos da Calheta. O Engenho da Calheta, que data de 1901, é o centro desta sociedade, constituída em 1952 na sequência da fusão de vários engenhos deste concelho em meados do século XX devido ao monopólio da Fábrica do Torreão, no Funchal, pertencente à família inglesa Hinton. À entrada existe um pequeno museu com máquinas antigas dos séculos XIX e XX usadas na trituração e fermentação da cana-de-açúcar.

Sociedade dos Engenhos da Calheta.

Para além da produção da Aguardente (utilizada na confecção da Poncha) e do Mel de Cana, o Bolo de Mel (o doce mais famoso da Madeira) é um dos produtos premium da Sociedade dos Engenhos da Calheta, que aqui é feito à mão segundo uma receita tradicional e que, segundo dizem, é o melhor de toda a ilha. Vale bem a pena uma visita.

Engenhos da Calheta.

Com as malas da moto cada vez mais cheias de coisas boas (e ainda sem saber muito bem como iria conseguir arrumar toda a bagagem para o regresso a casa), o passeio prosseguiu pela VE3 e pela fantástica ER223 em direcção às povoações de Paúl do Mar (com uma grandiosa vista a partir do miradouro) e da Fajã da Ovelha, retomando depois a ER101 até à Lombada dos Marinheiros (outro miradouro junto à estrada) e finalmente a chegada à Ponta do Pargo.

O nome da freguesia da Ponta do Pargo adveio da sua localização na extrema ponta oeste, e por ser rica em peixe da espécie Pargo. Silenciosa e peculiar, esta zona distingue-se das restantes na ilha pelos seus terrenos planos. Por aqui destaca-se o Miradouro do Fio (mais um) com uma altitude de visualização de 364 m e a Casa de Chá “O Fio” para um final de tarde bem agradável, bem como o Farol da Ponta do Pargo, cuja torre prismática branca mede 14 m de altura e tem o seu foco a 312 m de altitude. A sua construção data de 1922 e foi eletrificado em 1989 com alimentação de energia da rede pública.

Miradouro do Fio e Casa de Chá “O Fio”, Ponta do Pargo.

Farol da Ponta do Pargo.

Uma mão cheia de fotos depois, o passeio prosseguiu pela ER101, a subir, em direcção à freguesia de Achadas da Cruz (onde existe outro teleférico de acesso à repectiva fajã) na ponta noroeste da Madeira, já no concelho do Porto Moniz. Este troço segue um percurso um pouco mais afastado da linha de costa, por algumas zonas de abundante arvoredo e praticamente sempre em curva e contra-curva, o que, para além de ser um regalo para a condução, também ajudou a “limar as arestas” do pneu de trás da Tiger e a coloca-lo mais de acordo com a sua forma original (é que muitos quilómetros com pendura e bagagem já iam deixando o pneu um tanto ou quanto “quadrado”).

Cerca de 3 km depois de Achadas da Cruz e junto ao Posto Florestal Santa, a minha rota virou à direita em direcção ao Paúl da Serra, agora pela ER110. Este foi verdadeiramente um ponto de viragem relativamente ao que até então tinha experimentado, tanto ao nível da paisagem como do clima da ilha.

Primeiro temos o atravessar da espectacular Floresta Laurissilva (nome pela qual é conhecida a floresta indígena da Madeira, Património Mundial Natural da Unesco), de características subtropicais, húmida, constituída predominantemente por árvores e arbustos de folhagem persistente, com folhas verde-escuras e planas. Depois vem a aridez do extenso planalto do Paúl da Serra, com uma altitude média de aproximadamente 1.500 m e uma vegetação menos abundante e rasteira (remanescente da sua anterior utilização como local de pasto) comum em zonas fustigadas por ventos fortes e temperaturas mais baixas. Um local de vistas fabulosas sobre verdes montanhas e vales, onde, em dias de boa visibilidade, é possível ver o mar da costa sul e o mar da costa norte. E por último, nada melhor do que terminar a ER110 com uma empolgante sessão de curvas pela encosta da montanha e uma vista privilegiada para os imponentes Pico do Areeiro e Pico Ruivo.

Atenção redobrada com o gado bovino na ER110.

O entroncar com a enrolada ER228 marcou o início da descida para Sul, em direcção ao Funchal, onde acabei por chegar com a cabeça a andar um pouco à roda. Seria efeito da grande quantidade de curvas e contra-curvas desta estrada ou foi uma reacção adversa após a paragem na carismática Taberna da Poncha, na localidade de Serra de Água? Foi certamente das curvas (LOL), já que a paragem foi breve e só para provar uma das mais conhecidas especialidades da Madeira, a Poncha, que neste local dizem ser uma das melhores da ilha.

E que local curioso este, com as paredes interiores forradas a cartões-de-visita, fotos e outros adereços, propício ao convívio entre os (muitos) clientes de copo numa mão e amendoins na outra, atirando as cascas para o chão num gesto que é típico neste estabelecimento.

Taberna da Poncha, Serra de Água.

Com o cair da noite chegava ao fim a agitação do dia. Era tempo de olhar para as fotos tiradas e reviver as peripécias do passeio, confortavelmente sentado na esplanada do restaurante com vista para o movimentado Largo do Corpo Santo, na zona velha da cidade, aproveitando o intervalo entre uma saborosa Sopa de Peixe e uma suculenta Espetada de Lulas com Gambas. Boa comida típica, simpatia do staff e ambiente agradável. Não é preciso muito mais, pois não?

Depois da Sopa de Peixe, uma Espetada de Lulas com Gambas.

A presença do mar mesmo ali ao lado é sempre um bom pretexto para um “esticar” de pernas pela marginal do Funchal. Junto ao Teleférico Funchal-Monte (Jardim do Almirante Reis) e encerrada numa verdadeira cápsula do tempo, podemos admirar a lancha ‘Mosquito’, uma antiga embarcação com casco em madeira forrado a latão construída em Inglaterra em 1900, utilizada para serviço da Blandy, no percurso entre os navios e o cais da cidade, até 1977. A máquina a vapor original foi depois substituída por um motor a Diesel nos finais dos anos 40. Outros tempos...

Lancha ‘Mosquito’ construída em Inglaterra em 1900, Funchal.

Continua...

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