O que têm em comum estas três expressões tão diferentes entre si?
Aparentemente pouca coisa, mas a história encarregou-se de as juntar num acontecimento fatal e que deu origem a um dos locais mais visitados em todo o mundo para os amantes dos desportos náuticos.
O início:
O SS Thistlegorm foi um cargueiro da Marinha Mercante Britânica, construído em Janeiro de 1940 no estaleiro de Joseph L. Thompson and Sons Ltd, em Sunderland, para a Albyn Line.
Propulsionado por um motor a vapor com 365 hp (272 kW) e uma única hélice, foi lançado à água em 9 de Abril de 1940 e concluído em Janeiro de 1941.
Este navio de propriedade privada teve a sua construção parcialmente financiada pelo governo Britânico e foi classificado como um cargueiro armado para participar no esforço de guerra, tendo sido equipado com canhões de antiaérea de 120 mm e uma arma automática de grande calibre após a sua construção.
No seguimento do seu lançamento, o SS Thistlegorm completou com sucesso 3 viagens a outros tantos destinos:
1ª- Aos Estados Unidos da América para trazer carris em aço e peças para aviões;
2ª- Á Argentina para trazer cereais;
3ª- Ás ‘Índias Ocidentais’ para trazer açúcar e rum.
A viagem final:
Após algumas reparações efectuadas em Glasgow, partiu para a sua 4ª e última viagem a 2 de Junho de 1941 com destino a Alexandria (Egipto), com um carregamento de material militar para as forças aliadas (Western Desert Force) em plena 2ª Guerra Mundial.
Devido à grande actividade naval e aérea na zona do Mediterrâneo levada a cabo pelos Alemães e pelos Italianos, o SS Thistlegorm viajou integrado num comboio com outros navios via Capetown (Cidade do Cabo - África do Sul), onde reabasteceu entes de se dirigir para Norte, subindo a Costa Este de África até ao Mar Vermelho.
Como consequência de uma colisão ocorrida no Canal do Suez, o comboio ficou impossibilitado de transitar por este local para aceder ao Porto de Alexandria e atracou num ancoradouro seguro nos Estreitos de Gubal em Setembro de 1941, permanecendo neste local até ao fatídico dia 6 de Outubro.
O SS Thistlegorm foi avistado na noite de 5 de Outubro de 1941 por 2 bombardeiros Heinkel He-111 da Luftwaffe, que tinham descolado da base militar da Ilha de Creta (Grécia) para patrulhar a costa Egípcia em busca do comboio naval.
Atacado com 2 bombas de 450 kg pelas 01h30m do dia 6 de Outubro de 1941, o navio não resistiu ao avultados estragos e naufragou no Mar Vermelho juntamente com toda a sua carga, composta por diverso tipo de material militar, onde se destacam armas, obuses, munições, fuziles Lee Enfield .303, carros blindados Mk II Bren Carrier 4,5 ton (construídos por Vicker-Amstrong), camiões Bedford, peças para veículos e aviões, pneus, rádios, botas Wellington, fardamento, automóveis e até 2 locomotivas a vapor LMS Stanier Class 8F para os caminhos-de-ferro Egípcios.
A sua carga incluía também e em especial um carregamento de centenas de motas militares Inglesas, habitualmente utilizadas para escoltas de colunas militares e para despacho (mensageiros), repartidas entre os 3 modelos seguintes (as suas designações normalmente incluíam as letras ‘WD’ de ‘War Department’):
BSA (WD) M20
A M20 foi uma mota inglesa fabricada pelo maior construtor Britânico de motas com um longo historial de fornecimento de material para as forças armadas, a BSA (Birmingham Small Arms) na sua fábrica de Small Heath, Birmingham.
BSA (WD) M20
Inicialmente vista como um fracasso iminente pelo Ministério da Guerra em 1936, a M20 evoluiu para uma das mais duradouras participações na história do motociclismo militar Britânico, assim como um dos modelos com maior número de unidades produzidas para a 2ª Guerra Mundial, cerca de 126.000 ao serviço, tantas que ainda hoje se encontram um pouco por todo o mundo.
BSA (WD) M20
Fabricante: Birmingham Small Arms Company
Produção: 1937–1955
Motor: Monocilíndrico 469 cc, 4 tempos, válvula lateral
Potência: 13 bhp (9,7 kW) às 4.200 rpm
Transmissão: 4 velocidades / corrente
Capacidade do depósito: 3 gallons (11,36 litros)
Como curiosidade e para além das versões civis entretanto criadas, a M20 também foi desenvolvida por diversos entusiastas da velocidade (Bonneville Salt Flats, etc.), tendo atingido uma velocidade máxima de 112 mph (180,25 km/h) em Outubro de 1995 no aeródromo de Elvington, Yorkshire, conduzida por Pat Jeal.
BSA M20
Norton (WD) 16H
A Norton 16H foi a designação atribuída aos modelos Ingleses construídos pela Norton Motorcycle Company entre 1911 e 1954 na fábrica de Bracebridge Street, Birmingham, com diversas variações mas relativos ao motor monocilíndrico de válvula lateral com 490 cc de capacidade (a letra ‘H’ designa o modelo ‘Home’ para se distinguir do modelo Colonial de exportação).
Norton (WD) 16H
Submetida a avaliação pelos militares Ingleses em 1932, juntamente com os modelos 18 (490 cc, OHV) e 19 (588 cc, OHV), a 16H foi posteriormente aprovada, iniciando uma participação que levou a Norton a transformar-se na principal fornecedora de motas militares do pós 2ª Guerra Mundial e uma das maiores fornecedoras do Exército Britânico durante este conflito, com um total de cerca de 100.000 motas produzidas, tendo fornecido as forças da Austrália, Nova Zelândia, Índia e Canadá (pertencentes à Commonwealth).
Os modelos 16H e 18 foram os primeiros modelos ‘civis’ construídos pela Norton após terem terminado as hostilidades (período ‘pós-guerra’), tendo recebido a última modificação em 1947, composta por uma forquilha telescópica, maneabilidade melhorada e uma imagem mais moderna, apesar da sua idade.
Norton 16H
Fabricante: Norton Motorcycle Company
Motor: Monocilíndrico 490 cc, refrigerado a ar, válvula lateral
Velocidade máxima: 68 mph (109 km/h)
Potência: 14 bhp (10,4 kW) às 4.500 rpm
Transmissão: 4 velocidades / corrente
Suspensão: Forquilha ‘girder’ à frente, sem suspensão a trás (molas no banco)
Travões: Tambor
Peso: 388 lb (176 kg)
Capacidade do depósito: 3.5 gallons (16 litros)
Como curiosidade, na exposição de veículos clássicos e antigos VI Automobilia Ibérica que se realizou em Março de 2009 na Moita, tive o prazer de ver de perto um belo exemplar de uma Norton ES2 (1927-1964), também conhecida por ‘Easy-two’ mas onde as letras ‘ES’ designam ‘Extra (custo) Sport’ e o ‘2’ é referente à 2ª versão do motor, que embora não seja o modelo em causa partilha muitas das características do modelo 18 incluindo a mesma base do motor monocilíndrico de 490 cc, com refrigeração a ar, válvula à cabeça (OHV) e 21 bhp (15,7 kW) de potência às 5.000 rpm, que lhe permitia atingir uma velocidade máxima de 78 mph (125,53 km/h).
Norton ES2
Matchless (WD) G3/L
A Matchless G3/L foi uma mota desenvolvida para ser utilizada pelo Exército Britânico durante a 2ª Guerra Mundial (a Matchless fabricou cerca de 80.000 unidades dos modelos G3 e G3/L), tendo sido um dos modelos mais populares utilizados neste conflito e o primeiro a substituir as tradicionais suspensões dianteiras com forquilha ‘girder’ pela nova tecnologia de suspensão ‘teledráulica’ (forquilha telescópica hidráulica).
Matchless (WD) G3/L
Desenvolvida a partir do modelo G3 do pré-guerra, a letra ‘L’ (‘Lightweight’) foi introduzida como resposta ao pedido efectuado pelo Ministério da Defesa para uma mota mais utilizável em todo-o-terreno, mas após exaustivos testes militares a Matchless G3/L perdeu a corrida com o motor monocilíndrico de 350 cc para o motor bicilíndrico paralelo de válvula lateral da Triumph também com 350 cc, que apresentava uma velocidade máxima de 70 mph (112,65 km/h) para um peso de 240 pounds (110 kg).
Matchless (WD) G3/L
Com as suas instalações em Coventry completamente destruídas por bombardeiros Alemães em Novembro de 1940, a Triumph perdeu todos os registos técnicos, esquemas e desenhos, acabando por ficar a Matchless com o contrato de fornecimento. O Ministério da Defesa Britânico continuou a utilizar a G3/L até aos anos 60 do século passado, sendo posteriormente substituídas pela BSA W-B40.
A Matchless G3/L era uma escolha popular entre os pilotos Britânicos de trial e como no período pós-guerra existia um grande número de motas e peças disponíveis, permitiu que campeões como Artie Ratcliffe e Ted Usher conseguissem alcançar enumeras vitórias para a Matchless.
Matchless G3/L
Fabricante: Matchless
Produção: 1939-1946
Modelo anterior: Matchless G3
Motor: Monocilíndrico com 349 cc, refrigerado a ar
Potência: 16 bhp (11,9 kW) às 5.200 rpm
Transmissão: 4 velocidades / corrente
Como curiosidade e também na VI Automobilia Ibérica, tive o prazer de ver de perto um belo exemplar de uma Matchless G3 LS dos anos 50 do século passado, impecavelmente restaurada (como é habitual) pelo especialista em motas Inglesas João Botelho de Setúbal.
Matchless G3 LS
A actualidade:
Descoberto pelo explorador Jacques Cousteau em 1956 numa expedição com o famoso Calypso, o mergulho efectuado até aos seus destroços foi documentado numa parte do seu livro The Living Sea de 1963 (escrito em parceria com James Dugan).
O SS Thistlegorm repousa no fundo do Mar Vermelho a uma profundidade de cerca de 30 m, localizado 5 milhas a Norte da Península de Sinai, mais precisamente na posição 27º49'03"N, 33º55'14"E (Nordeste de Shag Rock, no recife de Sha'ab Ali), constituindo um autêntico museu de material do tempo da 2ª Guerra Mundial e habitualmente visitado por entusiastas do mergulho subaquático.
As outrora enérgicas e vigorosas BSA M20, Norton 16H e Matchless G3/L, encontram-se agora à mercê do desgaste do tempo e da corrosão dos elementos, não sendo mais que autênticos fantasmas de outras eras para quem tem a oportunidade de visitar este local:
Pobre destino para estas grandes máquinas...
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