terça-feira, 23 de março de 2010

A cultura Café Racer


Triumph Thruxton Café Racer

Durante os últimos anos tenho dedicado uma atenção particular aos veículos antigos de duas rodas (gosto especialmente do período do pré-guerra), que para além de alguns serem autênticas obras de arte em movimento, proporcionam uma excelente oportunidade de conhecer a história das muitas marcas e modelos de motas que outrora circulavam por essas estradas fora (a maior parte delas já fecharam as suas portas) bem como proteger e salvaguardar as motas antigas enquanto património.


A Brough Superior SS100 faz parte da minha garagem de sonho (100 mph para um modelo de 1928 é obra!)

Tendo por base os artigos publicados na única revista de motas antigas e clássicas 100% nacional, a DaMota Clássica, também acompanho estes assuntos através de alguns sites, blogues, exposições, passeios, encontros e alguma competição, sendo estes últimos os locais ideais para se conhecer e apreciar estas preciosidades, desde os pequenos e simples ciclomotores aos maiores e mais complexos motociclos, não esquecendo as utilitárias e práticas scooter.



Não sei se influenciado pela eleição da Honda CB750 Four como “Mota do Milénio”, considerada a primeira superbike graças a uma performance e uma sofisticação fora do comum em 1969 e pela grande influência que provocou no desenvolvimento do motociclismo mundial (ver edição n.º 104 de Dez. 1999 da revista Motociclismo), o que é certo é que recentemente tenho olhado para os modelos dos anos 60 e 70 do século passado com outros olhos e confesso que actualmente o estilo café racer está mexer comigo.


A Honda CB750 Four é outra que tem lugar cativo na minha garagem de sonho

Com uma enorme carga simbólica especialmente em Inglaterra, o seu berço, a cultura café racer está intimamente ligada ao Ace Café em Londres, que foi palco de grande agitação durante esse período com as corridas protagonizadas por jovens e destemidos “pilotos” de rua, misturando o gosto pelas motas rápidas e potentes, pelas “babes” e pelo rock ’n’ roll que saía das famosas jukebox.





Algumas destas histórias podem ser seguidas através das peripécias dos quatro aceleras de café da banda desenhada do Joe Bar Team, o Eduardo Bielas/Edouard Bracame (Honda CB 750 Four), o Guido Brasletti (Ducati 900 SS), o João Manias/Jean Manchzeck (Norton 850 Commando) e o João Enrola-o-Cabo/Jean-Raoul Ducable (Kawasaki 750 H2):



Não posso deixar de referir uma personalidade que se destacou durante este período pelo seu notável trabalho junto desta comunidade motociclística, o Padre William 'Bill' Shergold e o célebre Clube 59, também conhecido popularmente como “the nine” e considerado o maior clube de motociclistas do mundo (comemorou em Setembro o seu 50.º aniversário), que embora não tenha sido o fundador foi o seu grande impulsionador, estando 10 anos à frente dos destinos do clube e dos seus associados e paroquianos.



Situado numa zona pobre de Londres, o clube teve uma importância local muito grande, na época, enquadrando os jovens num fenómeno cultural que era visto como muito turbulento numa sociedade tão conservadora.



O Padre Bill Shergold faleceu no dia 17 de Maio de 2009, com a bonita idade de 89 anos. A sua história pode ser conhecida aqui.



Numa época onde as motas Inglesas eram uma referência, algumas marcas destacaram-se da concorrência quer pela superior qualidade de construção dos seus modelos (ciclística) quer pela performance dos mesmos (motor), sobressaindo a Norton e a Triumph, entre muitas outras (BSA, Matchless, Vincent, AJS, etc.).

Em busca de uma maior competitividade, alguns reuniram numa só mota o que cada uma tinha de melhor, criando as famosas Triton (quadro Featherbed da Norton e motor bicilíndrico paralelo da Triumph) ou ainda as magníficas Norvin (quadro Featherbed da Norton e motor bicilíndrico em “V” da Vincent).


Triton


Norvin

Com que tipo de equipamento se deve apresentar um café racer?

Segundo a visão do Thruxtonic e juntando mais umas opções, aqui vai um esboço dos pés à cabeça:

- Botas pretas, meio-cano, tipo Dr. Martens, se bem que umas Sendra ou umas mais radicais Combat Boots também assentem bem.
- Calças de ganga, corte jeans, com virola.
- Blusão, sempre preto, Perfecto genuíno, de preferência, embora o Belstaff seja um must, decorado com pins e badges.
- Luvas em pele.
- Lenço ou o moderno Buff.
- Capacete aberto, sempre, com Goggles, de preferência um Davida ou um exclusivo e luxuoso Ruby.
- E ainda, brilhantina e um pente no bolso para ajeitar a poupa e uma jukebox para se encostarem (droga na carola e álcool no fígado não contam porque não se vêem...).


Triumph Thruxton Café Racer

A “bíblia” para todos os que se identificam com esta cultura é a revista Francesa da especialidade Café Racer.



Como acontece com outros estilos de motas, existem variadas empresas que se dedicam à preparação destes modelos, dos mais puristas aos mais modernos, mantendo a tecnologia existente dos anos 60 e 70 ou combinando-a com a actual, dependendo essencialmente do gosto do cliente e em especial da factura que este está disposto a pagar no final.

Como curiosidade (não sei se repararam), para além do quadro Featherbed da Norton e do espectacular motor bicilíndrico em “V” da Vincent, a Norvin da fotografia tem montado na roda da frente um travão de tambor em magnésio de 4 maxilas com 250mm da Menani que custa a módica quantia de £ 1700.00!!!


Menani Magnesium 4 Leading Shoe 250mm Drum Brake (front)

Um bom exemplo da junção entre o antigo e o actual pode ser observado no modelo apresentado em 2008 pelo Ace Café, que é como quem diz, Mark Wilsmore, que em conjunto com Nick Gale materializou o sonho de representar o Ace, conjugando as melhores motorizações americanas com a estética europeia numa mota Café Racer neo-retro e de elevada performance.


Ace Café Racer

Para além da mota, criaram também a empresa Stomoco – Stonebridge Motor Co., baseada em Wembley e que aposta nesta ligação entre as tradições inglesas e americana criando produtos que perpetuem e enriqueçam a cultura café racer.

No plano nacional também existem boas referências a este nível, como por exemplo a Triumph Triton concebida essencialmente para competição por José Ferreira, um conhecido coleccionador e requisitado especialista da zona de Sintra (ver edição n.º 207 de Jul. 2008 da revista Motociclismo), mas que com todas as alterações, limitações, preços, etc... que os regulamentos / inscrições têm sofrido no que à competição das clássicas diz respeito, vai ter uma participação nacional certamente muito diminuta.


Triumph Triton de José Ferreira

Quem se deslocou no mês de Setembro de 2009 a Sintra para o 25.º Passeio de Motas Antigas organizado pelo Moto Clube local, pôde admirar “ao vivo e a cores” esta maravilha.


A Triumph Triton de José Ferreira no 25.º Passeio de Motas Antigas do MC Sintra

A indústria mundial de motas parece responder ao chamamento das apelativas café racer, e algumas das principais marcas têm vindo a anunciar o lançamento de novos modelos baseados neste conceito.

Uma das mais carismáticas marcas Inglesas de motas, a Norton, parece querer renascer das cinzas, graças ao empenho do seu novo proprietário Stuart Garner (e de muitas £££, certamente), que para além da anterior apresentação do bonito modelo da Commando 961 (em preto), fez recentemente o favor de lhe juntar uma café-racer (moto amarela) e uma sport (moto vermelha). Isto promete.


Norton Commando 961

A Honda por seu lado apresentou recentemente no último Salão de Tokyo a sua nova CB 1100, uma moto baseada no 4 cilindros em linha com refrigeração a ar que reedita o conceito superbike dos “seventies”, mas numa forma muito mais clássica que “musculada”, marcando o regresso do conceito “Universal Japanese Motorcycle” (UJM), cujo melhor exemplo foi a CB 750 dos anos 70. Estará igualmente disponível uma versão a “cheirar” a café racer.


Honda CB 1100 Café Racer

Os franceses da Voxan não têm tido vida fácil e recentemente pediram a protecção do Governo francês para fazer face ao processo de falência, apesar de terem algumas propostas bem interessantes, especialmente do ponto de vista conceptual ou estético. Esta Black Magic é um bom exemplo. Não é fácil fazer uma café racer em torno de um V-twin, mas há quem o consiga. Poucos tão bem quanto a Voxan.


Voxan Black Magic

Apesar das confusões em relação ao encerramento, ou não, da sua fábrica em Mandello, a Moto Guzzi anunciou o lançamento para 2010 de uma espectacular V7 Clubman Racer, um modelo de série com muito appeal e que fará as delícias de muitos café racers. Pena é este modelo ser um pouco “descafeinado”, já que conta apenas com 49 cv de potência no seu emblemático motor bicilíndrico em “V” transversal de 744 cc.


Moto Guzzi V7 Clubman Racer

Actualmente vivemos numa época onde tudo é tecnologicamente avançado, onde há cada vez mais lugar para a razão em detrimento da emoção, mas para o verdadeiro café racer, um motor e um par de rodas é o caminho para a liberdade!


Triumph Thruxton Café Racer

Decididamente um estilo algo rebelde mas também muito cool e de um prazer quase primitivo de comunhão entre homem e moto.

Fontes: Café Racer 351 e Pela estrada fora

1 comentário:

  1. Gosto dos exemplares da tua garagem de sonho... Podes continuar. Um abraço Nazareth

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