2.º Dia (6
de Outubro, sábado)
Neste segundo dia de viagem ficámos sem a companhia de duas motos que
tiveram que regressar mais cedo a casa devido a compromissos inadiáveis. A caravana
ficou assim reduzida a quatro alemãs (BMW R1200GS) e à minha japonesa (Honda
VFR800Fi), que com este cenário, das duas uma, ou a VFR tornar-se-ia na outsider do grupo durante o resto da
viagem, ou seria a viajante mais importante com uma escolta à altura! Não sei
porquê mas preferi identificar-me com a segunda situação... :)
Com a corrente lubrificada (há que cuidar da máquina para não ter
surpresas desagradáveis), saímos do parque de estacionamento do hotel ao início
da manhã para a conclusão da travessia da EN2, com uma temperatura amena e que
deveria chegar perto dos 25ºC lá mais para o meio do dia. E o regresso ao
asfalto não podia ter sido melhor, com um magnífico troço de curvas largas e
excelente piso até à Sertã, mesmo a pedir um andamento um pouco mais vivo e
empenhado que deixou a VFR “como peixe na água”.
Mas ainda antes de entrar na Sertã, o traçado antigo da EN2 não
acompanha esta rápida variante, passando mais à esquerda por Junceira e
Portelinha até chegar à Ponte da Isna, sobre a ribeira com o mesmo nome, já no
centro da vila. Daqui até à Barragem
do Cabril são praticamente 20 km de curvas, quase sempre com o IC8 por
perto. É aqui que se atravessa o Rio Zêzere e onde se dá a transição do
distrito de Castelo Branco para o distrito de Leiria, ou seja, de Pedrogão
Pequeno para Pedrogão Grande.
Barragem do Cabril (Rio Zêzere).
Uma breve paragem neste local serviu para aliviar o ambiente que, de
repente, tinha ficado um pouco pesado ao atravessarmos esta zona que foi extremamente
fustigava pelo trágico incêndio
florestal de Junho de 2017, considerado o maior de sempre e o mais
mortífero da história do país. Mas rapidamente as coisas animaram à medida que
nos aproximávamos de Góis, especialmente depois de passar por localidades com
nomes curiosos como Senhor
dos Aflitos, Escalos
Fundeiros, Venda
da Gaita ou Picha.
A entrada no distrito de Coimbra acontece com a travessia da Ribeira de
Mega, um pouco antes do marco do quilómetro 300, onde a EN2 se transforma numa
das melhores estradas do país (na minha modesta opinião), com magníficas paisagens,
excelentes curvas e um piso a condizer. Um verdadeiro regalo para quem gosta de
andar de moto. Não é certamente por acaso que a vila de Góis é palco de uma das
mais agradáveis concentrações nacionais, um verdadeiro chill out para motociclistas, que visitei
em 2014. Por aqui parámos, na sede do Góis
MC, com o propósito de esticar as pernas e tomar um café, mas o resultado
foi o mesmo que tivemos no “café oficial da EN2” (Ciborro) no dia anterior.
Fechado! Só nos restou fazer a mesma coisa... seguir viagem.
Sede do Góis MC (quilómetro
271 da EN2).
A partir de Penacova e com a aproximação da Barragem da Aguieira começa
a grande dificuldade em seguir o traçado original da EN2. Nesta zona, onde boa
parte da estrada ficou submersa pelas águas da barragem na década de 1980, não
há como fugir ao incaracterístico IP3, especialmente na travessia dos Rios
Mondego e Dão, este último já no distrito de Viseu. Mas ainda há locais interessantes
onde a EN2 é perfeitamente transitável, como por exemplo na passagem pela Livraria
do Mondego para observar mais de perto os seus “livros” de pedra... que na
realidade são altas assentadas de quartzíticos silúricos, dispostos praticamente
na vertical como se fossem livros arrumados numa estante.
“Livraria do Mondego” (Penacova).
Passámos depois pelo Vimieiro (e pela casa
onde nasceu António de Oliveira Salazar),
por Santa Comba Dão e por Tondela a caminho de Viseu (o marco do quilómetro 200
da EN2 deveria ficar algures por aqui, mas desapareceu certamente devido à
construção do IP3 e dos seus acessos, ou então nós não conseguimos
descobri-lo). A terra do herói português Viriato, também famosa pelas
suas inúmeras rotundas, é considerada uma das cidades com melhor qualidade
de vida do país. Foi por aqui
que almoçámos umas saborosas tranches de salmão grelhado e umas magníficas
pataniscas com migas.
Magníficas tranches de
salmão grelhado no almoço à entrada de Viseu.
A viagem pela EN2 prosseguiu em direcção a Lamego (com algum peso extra
nas motos), a rolar planalto fora quase sempre na companhia da A24, passando
por Castro de Aire e por mais localidades com nomes curiosos como Moura Morta
ou Colo do Pito.
Depois de Bigorne (um dos pontos mais elevados de toda a EN2), a estrada assume
um perfil bastante sinuoso até à chegada ao Santuário
de Nossa Senhora dos Remédios, onde efectuámos uma pequena paragem para
reunir o grupo que já vinha um pouco disperso.
Escadório do Santuário de
Nossa Senhora dos Remédios (Lamego).
Deixámos a segunda maior cidade do distrito para cumprir os cem quilómetros
finais da EN2 (o respectivo marco apareceu pouco tempo depois de termos saído
de Lamego), atravessando a região de Trás-os-Montes e Alto Douro, uma das mais
belas de Portugal, que corresponde aos distritos de Vila Real e Bragança. Mas
para aqui chegar ainda temos a travessia do imponente Rio Douro pela Ponte da
Régua, com vista privilegiada para o ponto de ancoragem da rota fluvial de Cruzeiros que sobem
e descem o rio. Aqui estamos em plena Região
Demarcada do Douro, a primeira região demarcada e reconhecida do mundo e
Património Mundial da UNESCO. É também aqui que tem início o troço da EN222 até
ao Pinhão, num total de 27 km, que foi considerado como a melhor estrada do
mundo em 2015 (World's
Best Driving Road).
A vila de Santa Marta de Penaguião fica já ali, a menos de 10 km de
distância, local onde no dia 5 de Novembro de 2016 foi constituída
a Associação de Municípios da Rota
da Estrada Nacional 2 - AMREN2, criada no âmbito de um ambicioso projecto
turístico que visa a dinamização desta estrada histórica, onde decorreu o descerramento
simbólico e comemorativo da réplica de um marco da EN2 (41°12'39.1"N
7°47'14.0"W). Neste mesmo concelho realiza-se a já famosa “corrida mais
louca do mundo”, que é como quem diz o singular evento Xassos Urban Cup, uma
prova de 3 Horas de resistência para motorizadas a 2T com 50 cm3 que
decorre na Vila de Fontes (estive
lá no passado mês de Julho).
Marco comemorativo da
criação da AMREN2 (Santa Marta de Penaguião).
Prosseguindo pelo vale do Rio Sordo, a EN2 retoma o seu perfil mais
“enrolado” a caminho da cidade de Vila Real, a capital do distrito que por
vezes é referida como Vila Real de Trás-os-Montes. Outrora conhecida como a
“Corte de Trás-os-Montes” devido à grande quantidade de casas brasonadas que
então tinha, vale a pena uma visita, entre outros, à Torre de Quintela, ao
Solar de Mateus
e, já agora, ao traçado do histórico circuito
citadino.
Daqui para afrente a EN2 passou a assumir um perfil de planalto, com
rectas e zonas de curvas suaves, que nos levou até Vila Pouca de Aguiar. Para
além do granito, omnipresente por estas paragens, esta região é famosa pelas
suas águas termais (Termas
de Pedras Salgadas e Termas
de Vidago) e águas gasocarbónicas (Pedras,
Salus,
Vidago e Campilho).
Talvez poucos se lembrarão, mas estas localidades também fizeram parte da
centenária Linha
Ferroviária do Corgo, cujas estações e apeadeiros tinham precisamente as
designações de Pedras
Salgadas, Salus,
Vidago
e Campilho.
Com o final da tarde chegava também o final da viagem. A entrada na
cidade de Chaves foi efectuada com o Rio Tâmega por perto até ao marco que
assinala o quilómetro
zero da EN2, colocado no centro da rotunda que interliga a Rua
Cândido Sotto Mayor com a Av. Eng.º Duarte Pacheco/N103 e a Av. D. João I/N103.
Estava assim cumprida a minha segunda travessia integral da Estrada Nacional 2,
a maior do país, desta vez desde Faro (Algarve) até Chaves (Trás-os-Montes)!
O fim da viagem no início
da EN2 (decididamente “ao contrário”!).
Qual alpinista que acabou de atingir o cume do Monte Everest (LOL), foi
com uma sensação de conquista que deixámos este local, ao qual entretanto
tinham chegado outros motociclistas, também eles a quererem saborear o seu
momento de glória. Atravessámos a Ponte Nova (Ponte Barbosa Carmona) sobre o
Tâmega para chegar ao Hotel
Premium Chaves - Aquae Flaviae, onde ficámos (bem) instalados depois de um reconfortante
jantar num local
bem perto da Ponte Romana (Ponte de Trajano, o ex-libris da cidade), que
incluiu alguns produtos típicos da gastronomia da região: o presunto e a posta!
O presunto aconchegou o
estômago antes do prato principal do jantar em Chaves.
Hotel Premium Chaves -
Aquae Flaviae.
No domingo, dia 7, deixámos a cidade flaviense pela fresca da manhã, com uns pouco
convidativos 8ºC de temperatura ambiente, para a viagem de regresso a casa. O
sentimento geral era um misto de satisfação e de alguma tristeza, primeiro pela
travessia deste pequeno mas belo país, com toda a sua diversidade de paisagens,
cultura e gastronomia, por uma estrada icónica que, apesar das boas intensões
de organizações como a AMREN2, acaba por saber a pouco face ao fraco interesse
demostrado pelas povoações na promoção da nossa
“estrada mãe”, onde a pouca marcação
existente da Rota da EN2 é disso um bom exemplo.
Ainda assim, percorrer os cerca de 740 km da Estrada Nacional 2, seja de
norte para sul ou de sul para norte, é uma experiência extremamente enriquecedora
que, em meu entender, deveria ser realizada pelo penos uma vez por todos os
motociclistas, nacionais e não só, como demostra o recente interesse de nuestros
hermanos nesta verdadeira espinha dorsal do interior do país.
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