Dia 4: Marrocos
(Agoudal – Ouarzazate)
Acordar cedo numa aldeia de montanha é uma sensação única. Felizmente
que a chuva parecia já ter abandonado esta região do Atlas. E como depois de
uma tempestade vem sempre a bonança, apesar do céu ainda se manter algo
carregado, o sol ia dando um ar da sua graça e brindou-nos com um bonito
espectáculo de luz e cor em Agoudal.
As crianças faziam a sua caminhada matinal para a escola. Ao passarem
junto ao albergue, a curiosidade era naturalmente grande para com os visitantes
estrangeiros que ali tinham pernoitado. Não demorou muito tempo a
aproximarem-se. “Un stylo, monsieur”
(uma caneta, senhor), pediam algumas meio envergonhadas. Ofereci o que tinha, “voici des bonbons”, alguns rebuçados
para cada um dos miúdos. “Merci,
monsieur” (obrigado, senhor), responderam talvez um pouco desapontados mas
com um sorriso na cara. Por vezes com pouco se faz muito e quem dá o que tem...
Mais um fantástico dia em prespectiva pelo Marrocos esquecido. O plano
de viagem para esta quarta etapa do Marroco Xperience Tour 2022 passava por
continuar a atravessar o Alto Atlas em direcção às Gargantas do Todgha e ao Palmeiral
de Tinghir, terminando a jornada no final da tarde em Ouarzazate, também conhecida
como a cidade do cinema.
Após o pequeno-almoço e com o equipamento da moto seco (ou quase), seguiu-se
a habitual azáfama da arrumação da bagagem. Preparávamo-nos então para a
despedida da aldeia de Agoudal. Tempo ainda para uma última foto, com as motos
alinhadas em frente do Auberge Ibrahim, para mais tarde recordar.
A “ordem de marcha” foi dada com o céu a ficar cada vez mais cinzento. Os
receios de uma manhã igual ao final do dia anterior assolavam novamente as
mentes de alguns elementos do grupo. Felizmente que tudo não passou de uma
ameaça e à medida que os quilómetros foram passando, o tempo começou a abrir,
com o sol e os tons azuis do céu a iluminarem a paisagem.
Com duas dezenas de quilómetros percorridos passámos no Col
du Tirherhouzine, que fica a cerca de 2.700 m de altitude (um col é o ponto mais baixo entre dois
picos de uma cordilheira, mas tende a ser mais associado a montanhas do que a
cordilheiras). Aqui efetuámos uma breve paragem para contemplar a grandiosa
vista panorâmica sobre as montanhas que este local proporciona.
Cerca de uma hora depois chegámos às famosas Gorges
du Todgha, um desfiladeiro na parte oriental da cordilheira do Alta Atlas,
situado a noroeste da cidade de Tinghir. Aqui, o Oued Todgha (rio que nasce nas
montanhas do Alto Atlas e desaparece no deserto do Sahara) escavou um
desfiladeiro muito profundo e estreito, ladeado de escarpas muito íngremes que
chegam a ter perto de 200 metros de altura nos últimos 40 km do
percurso através das montanhas. Os últimos 600 metros constituem o trecho
mais espetacular, onde fica ainda mais estreito, não ultrapassando os 10 m
de largura em algumas zonas, e é ladeado por paredes praticamente verticais de
rocha macia que atingem os 160 m de altura.
Esta zona é habitada por uma só etnia berbere autóctone, os Todgha, que
não tem quaisquer relações com as tribos amazighes vizinhas. O vale estende-se
desde as gargantas por cerca de 50 km, formando um dos oásis mais
pitorescos e coloridos de Marrocos. Este local bastante fértil às portas de Tinghir
alberga o maior palmeiral de Marrocos, o Palmeraie
de Tinghir, muito denso e alongado que ocupa as margens do rio.
É um dos palmeirais de tamareiras situados a maior altitude, mas nos
últimos anos as tamareiras têm vindo a ser substituídas por oliveiras, as quais
já existiam tradicionalmente, mas em menor número. A vista é realmente
espectacular e não é de estranhar que seja um dos locais mais turísticos e
visitados nesta região do Atlas.
Seguindo pela estrada junto ao palmeiral, pelo planalto que separa o
Alto Atlas do Jbel Saghro (Monte Saghro, um dos extremos do Anti-Atlas), cerca
de meia dúzia de quilómetros depois entramos na cidade de Tinghir, capital da província
homónima. Aqui efectuámos uma paragem num posto
de combustível para abastecer as motos de gasolina e os condutores de água,
antes de entrarmos na cordilheira do Anti-Atlas. O preço “de l'essence” em
Marrocos ronda habitualmente os 15 Dh/l (1,5 €/l aprox.).
As moped são bastante
comuns em Marrocos e utilizadas para todo o tipo de funções, como a Gacela
Super Cub (variante local da Honda Super Cub) ou a MBK Citizen, por exemplo (Tinghir).
A organização tinha preparado um trajecto alternativo e mais “rústico”
para a travessia do Anti-Atlas, mas atendendo à pouca confiança demonstrada por
alguns dos participantes quando confrontados com situações diferentes do
habitual, fora da sua zona de conforto, o mesmo acabou por não ser seguido. Não
nego que fiquei com alguma pena, ainda para mais estando num Xperience Tour...
Considerações à parte, a rota que foi seguida levou-nos até um abrigo de
montanha a 2.300 m de altitude. Rodeados de uma esplendorosa vista, aqui
fizemos uma pausa para esticar as pernas e tomar um chá no Café
& Restaurant Tizi n'Tazazert.
Pausa para um chá no ‘Café
& Restaurant Tizi n'Tazazert’ (abrigo de montanha a 2.300 m de altitude).
Através de pitorescos oásis junto à estrada, seguimos em direcção à vila
de N’Kob, um município rural
que faz parte da província de Zagora e da região de Drâa-Tafilalet. A par de
Tazzarine, é a maior povoação da zona montanhosa do Jbel Saghro, uma área tipicamente
berbere habitada pela tribo Aït Atta.
Em pleno Marrocos profundo, fora dos roteiros turísticos mais comuns, N’Kob
situa-se na chamada rota dos mil kasbahs (habitações
fortificadas). Diz-se inclusive que é a localidade com mais kasbahs do país, alguns
em muito bom estado. Mas a paragem da nossa caravana nesta localidade acabou
por ter outro propósito, já que foi aqui que nos sentámos à mesa para almoçar,
no Café
Restaurant Merzouga.
Depois de degustarmos os pratos típicos da gastronomia local, fizemo-nos
novamente à estrada para os últimos 140 km do dia com destino a Ouarzazate, pelo
Vale do Draa (o rio mais longo de Marrocos, com 1.100 km de comprimento, que
até define parte da fronteira entre Argélia e Marrocos), o troço mais
espetacular da estrada N9.
O famoso deserto marroquino não estava muito longe, mas as dunas com as
suas areias douradas não faziam parte do roteiro do Marroco Xperience Tour.
Chegámos então ao final da tarde a Ouarzazate, a capital da
província homónima que faz igualmente parte da região de Drâa-Tafilalet.
Popularmente apelidada de “porta do deserto” e de “Hollywood marroquina”,
a cidade de Ouarzazate é o centro nevrálgico de uma vasta região do sul do país,
de transição entre as montanhas do Atlas e o deserto do Sahara. É também um dos
locais de Marrocos mais usados como cenário por realizadores de cinema de todo
o mundo.
Ficámos alojados no Hotel
Karam Palace, curiosamente não muito longe do Museu do Cinema, bem como do Kasbah
de Taourirt (antigo palácio-fortaleza do Pacha Thami El Glaoui), um dos
símbolos da cidade.
Após o jantar no restaurante do hotel e o briefing da
organização com as indicações para o dia seguinte, seguiu-se um pequeno passeio nocturno até à
movimentada Praça Al-Mouahidine para “esticar as
pernas”. De referir ainda que durante a caminhada, tanto à ida como no regresso
ao hotel, fomos discretamente acompanhados por uma viatura das autoridades
policiais locais com elementos à paisana! Seria para nossa protecção? Quero
acreditar que sim, apesar de nunca ter sentido qualquer tipo de insegurança nos
locais por onde passámos.
Continua...
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