A actual Praça
de Espanha, uma das zonas mais movimentadas da cidade de Lisboa, é
um local cheio de histórias e curiosidades. Foi
durante muito tempo conhecida como Palhavã 1, uma denominação que remonta ao século XII e que prevaleceu até à
segunda metade do século passado. Um dos seus ex-líbris é o Palácio de
Palhavã, um belo edifício senhorial do século XVII que serviu de residência
a vários condes e nobres. Depois de adquirido pelo Estado do país vizinho em
1918, é a actual residência do Embaixador de Espanha em Portugal.
Por aqui existiu outrora uma grandiosa infraestrutura dedicada
(essencialmente) ao ciclismo, um dos desportos mais populares do início do
século XX: o Velódromo de Palhavã! Foi inaugurado no dia 14 de Maio de 1905, ainda
no reinado de D. Carlos I, e a sua construção deveu-se à iniciativa privada de
três entusiastas da velocipedia: José Eduardo d’Abreu Loureiro, Fernando Belard
da Fonseca e Frederico Carlos Rego.
O Velódromo de Palhavã (Revista
‘Occidente’ n.º 957 – 30 de Julho de 1930). Via
Em Portugal, o ciclismo já foi considerado o desporto da moda entre as
elites. Para chegarmos a esse momento da história, temos de recuar ao tempo da
monarquia, até finais do século XIX, altura em que começam a ser construídos os
primeiros velódromos em território nacional.
Na Lisboa dessa época, o Parque de Santa Gertrudes 2, localizado
no extremo da Estrada de S. Sebastião, delimitado pela Estrada de Palhavã e
pela Estrada do Rego, correspondia ao fim administrativo da cidade de Lisboa,
constituído por um anel de quintas de recreio que marcavam a transição entre o
espaço urbano e uma paisagem desenhada por hortas, pomares, olivais, planícies
de cereal e florestas de carvalho.
No ano de 1883, a viúva do proprietário José Eugénio de Almeida, D.
Maria das Dores Pinto, cede o Parque de Santa Gertrudes para a instalação do Jardim
Zoológico e de Aclimatação de Lisboa, que aqui permanecerá durante dez anos.
Em 1894, o Jardim Zoológico foi obrigado a contentar-se apenas com os terrenos
da Palhavã, contíguos a Norte aos de São Sebastião da Pedreira, que arrendara
para as suas novas instalações.
Foi precisamente neste local que, em 1905, seria implementado o Velódromo
de Palhavã. A sua construção, a par de todas as comodidades que oferecia aos
espectadores, dotou a capital com um melhoramento importante, ao nível das grandes
cidades europeias. Para um melhor enquadramento na actual configuração da
cidade, de referir que a pista e as bancadas do Velódromo estavam localizados
onde é hoje a Avenida de Berna, sendo a entrada para o recinto efectuada pela
antiga Estrada de Palhavã (no final da Av. António Augusto de Aguiar), em
frente à Embaixada de Espanha.
Localização do Velódromo de
Palhavã (Planta Topográfica de Silva Pinto publicada em 1909 vs. vista aérea actual).
Via
Entrada do Velódromo pela
Estrada de Palhavã, diante do Palácio da Palhavã (Revista ‘Illustração
Portugueza’ n.º 306 – 1 de Janeiro de 1912). Via
Durante mais de duas décadas, aí tiveram lugar importantes provas de
ciclismo (incluindo muito provavelmente as chamadas corridas de meio-fundo, onde
eram utilizadas motos do tipo da Anzani V-Twin 3.000cc exposta no Museu
da Moto Antiga em Rossas, Vieira do Minho) e
viveram-se algumas das primeiras experiências automobilísticas na capital.
Aos olharmos as imagens da época, podemos constatar a intensidade com
que as pessoas viviam os momentos de espectáculo oferecidos no Velódromo. Para
além da pista com um perímetro de 333,33 metros, que revestida a cimento e com viragens
estabelecidas de modo a permitirem uma velocidade de 80 km/h podia albergar não
só o ciclismo como provas de sport em
motos e automóveis, passaram pelo seu recinto concursos hípicos, ascensões de balões,
lançamento de papagaios e até duelos. Havia o relvado, as bancadas, a Tribuna
Real pomposamente decorada, tendo na frente um coreto de música, e até um
restaurante com terraço panorâmico para o velódromo.
Gincana automóvel no
Velódromo de Palhavã em 1925 (Citroën 5CV Type C3 Torpedo). Via
Os concursos hípicos também
tinham lugar no Velódromo de Palhavã. Via
Ascensões de balões no
Velódromo de Palhavã. Via
Lançamentos de papagaios no
Velódromo de Palhavã. Via
Após quase três décadas de existência, em 1943 o Velódromo de Palhavã
deu lugar à Feira
Popular de Lisboa, que por lá esteve até 1957. Desde 1969 que o local serve
de morada à Fundação
Calouste Gulbenkian.
Fontes: Lisboa
Secreta, Revista
Lisboa, Cycling
& Thoughts e Gulbenkian
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1 Até ao
século XIX, Palhavã estava nos “arrabaldes” da cidade, começando a
desenvolver-se depois da construção das estradas da Circunvalação e do Rego,
enquanto no início desse século passou a servir de ponto de encontro às
avenidas de Berna, António Augusto de Aguiar e Columbano Bordalo Pinheiro. Nos
anos 70 do século XX, tornou-se um importante acesso à zona norte da cidade,
depois de projetada a Avenida dos Combatentes. A anteriormente denominada estação
do metro de Palhavã (construída em 1959) chegou a ser uma das mais
importantes da cidade, servindo de interface
com a empresa de autocarros Rodoviária
Nacional para a margem sul do Tejo. Nos arredores funcionou também o
chamado Mercado
Azul, que surgiu nos anos 1980 com contentores que começaram por alojar
alguns vendedores que estavam no Martim Moniz, transferidos com o objectivo de
reabilitar esta última zona.
2 Anterior
propriedade agrícola nos séculos XVIII a XIX, denominada Quinta
do Provedor dos Armazéns e propriedade de Fernando Larre, foi uma quinta de
recreio, como muitas que então caracterizavam os arrabaldes das principais
cidades portuguesas, com edifício, jardim, pomar, horta, vinhas e campos de
cereal. Em 1861, palácio e quinta são adquiridos por José
Maria Eugénio de Almeida, Par do Reino e Conselheiro de Estado, e esta aquisição
vai significar uma enorme transformação deste espaço. A obra de remodelação
inicia-se em 1866 e termina em 1870. O Parque
de Santa Gertrudes, como então seria designado, foi batizado em homenagem a
sua mãe.
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