quinta-feira, 20 de agosto de 2020

Na “Pérola do Atlântico” #6/8

Dia 6 (15 de Setembro) – Leste da ilha
 
Para o último dia de passeio de moto pela Madeira ficou a exploração da zona leste da ilha, que tem na Ponta de São Lourenço o seu ponto mais oriental, não sem antes visitar um dos ex-libris madeirenses, as Casas Típicas de Colmo de Santana, entre outros interessantes e curiosos locais. Importava também concluir o roteiro da cana-de-açúcar e dos seus derivados nas instalações dos Engenhos do Norte na povoação do Porto da Cruz, uma herança de outros tempos onde a Madeira chegou a ser a mais afamada produtora de açúcar do mundo durante os séc. XV e XVI, conhecido na época como “Ouro Branco”.
 
Funchal – Camacha – Parque Natural do Ribeiro Frio – Santana – Faial – Porto da Cruz – Ponta de São Lourenço – Machico – Ponta do Carajau – Funchal.
 
Num domingo cheio de sol e com temperatura elevada, deixei o Funchal em direcção à Camacha, novamente a subir, pois claro, pela pitoresca ER102. Esta pequena vila do concelho de Santa Cruz situa-se a cerca de 700 m de altitude e é o centro da Indústria de Vime Madeirense. Com as hastes de vimeiro descascadas e secas, aqui fabricam-se móveis, chapéus, ornamentos, utensílios de cozinha, e claro, cestos de todos os tamanhos e feitios, que fazem as delícias dos turistas.
 
Emblemático edifício do Café Relógio e Fábrica de Vimes, Camacha.

Loja e Fábrica de Vimes, Camacha.

A Camacha é igualmente famosa pela sua Festa da Maçã e pelos seus grupos de folclore, daí ser considerada por muitos como a Capital da Cultura Madeirense. Foi também aqui, no Largo da Achada, perto da Capela de São José, que se jogou futebol pela primeira vez em Portugal, no longínquo ano de 1875! O desporto foi introduzido por Henry Hinton, um jovem britânico que estudava em Londres mas que residia na Ilha da Madeira.
 
Aqui se jogou futebol pela primeira vez em Portugal (1875), Camacha.
 
Continuando nas sinuosas e agradáveis estradas regionais pelo interior da ilha, o passeio prosseguiu a caminho do Parque Natural do Ribeiro Frio, no concelho de Santana, pela ER203 e ER103. Novamente rodeado por uma vasta mancha da magnífica Floresta Laurissilva, a paragem seguinte foi no Posto Aquícola do Ribeiro Frio, local onde se encontram os viveiros de trutas arco-íris (Oncorhynchus mykiss). Concluídos em 1960, aqui são mantidos reprodutores para produção de ovos e alevins (peixes jovens) que depois são utilizados, quando necessário, para o repovoamento das linhas de água da Madeira, estimulando assim a pesca lúdica em águas interiores.
 
Floresta Laurissilva, Parque Natural do Ribeiro Frio.

Viveiros de trutas arco-íris, Posto Aquícola do Ribeiro Frio.

A ER103 é certamente uma das estradas mais espectaculares da Ilha da Madeira. Do Parque Natural do Ribeiro Frio até à povoação costeira do Faial, onde termina o seu trajecto, são cerca de 13 km de puro prazer, tanto no asfalto como na panorâmica. Locais como o Miradouro do Cabouco e o Miradouro das Cruzinhas, oferecem uma paisagem fantástica sobre vales verdejantes e profundos, bem como sobre alguns dos picos mais elevados da cordilheira montanhosa central. Mas até chegar a Santana e já na VR1 (antiga estrada regional), ainda passaria pelo Miradouro de Nossa Senhora dos Bons Caminhos e pelo Miradouro do Curtado, agora com vista privilegiada sobre a recortada costa da freguesia do Faial e o rochedo da Penha d’Águia.
 
A povoação de Santana, cujo nome se deve a Santa Ana, sua patrona e em honra da qual foi edificada uma igreja em 1689, foi elevada à categoria de cidade a 1 de Janeiro de 2001, sendo por isso considerada a primeira cidade portuguesa do séc. XXI. A preservação de algumas Casas Típicas de Colmo (habitações de formato triangular cuja cobertura é feita com o caule da planta do trigo e onde noutros tempos viviam as suas gentes) acabou por resultar num cartaz turístico por excelência, fazendo com que o município de Santana seja uma das zonas mais conhecidas e emblemáticas da Ilha da Madeira.
 
Casas Típicas de Colmo, Santana.  
 
Venda de artesanato no interior de uma das Casas Típicas de Colmo, Santana.

Enquadrado pela grande quantidade de arbustos de hortênsias, com predominância para as azuis que aqui se destacam entre a abundante flora, bastou atravessar a rua para acabar sentado num pequeno snack-bar a comer um gostoso Hamburger em Bolo do Caco, acompanhado pela já habitual Brisa Maracujá, a minha bebida madeirense de eleição às refeições. Não deslumbrou, é certo, mas serviu o propósito.
 
Hamburger em Bolo do Caco acompanhado por uma Brisa Maracujá.

A caminho do Porto da Cruz pela VE1, o longo Túnel do Faial Cortado (com 3.168 m de comprimento) leva-nos até à freguesia do Faial. Terá sido neste território, a par com a freguesia do Porto da Cruz, onde se procedeu primeiramente ao povoamento no norte da ilha. Junto ao Complexo Balnear da Foz da Ribeira do Faial, podem ser observadas umas interessantes formações rochosas de colunas de basalto que se erguem junto ao mar. Um importante registo da história geológica e do passado vulcânico da Madeira.
 
Formações rochosas na praia do Faial.

Um pouco mais à frente, ainda na VE1, o Túnel da Cruz desemboca nos acessos à vila do Porto da Cruz. Pela ER108 acedemos à Praia da Alagoa e aos Engenhos do Norte, os únicos da Europa que ainda trabalham a vapor, com caldeiras do início do séc. XX. Neste Engenho só se fabrica Rum Agrícola, o que significa que é feito a partir de sumo fresco da cana-de-açúcar, depois de fermentado e destilado. O Rum Agrícola North é a joia da coroa do Engenho. Estes runs têm recebido vários prémios, sendo os brancos os mais medalhados (runs novos com 40%, 50% e 60% vol.). Existe ainda um salão de vendas com a traça histórica de uma mercearia antiga.
 
Praia da Alagoa, Porto da Cruz. 
 
Engenhos do Norte, Porto da Cruz. 
  
Engenhos (a vapor) do Norte. 
 
A saída do Porto da Cruz fez-se novamente pela sinuosa ER108, retomando a VE1 mais à frente em direcção ao município de Machico. Uns quantos túneis depois (Serrado, Guarda, Norte, Cales, Rib. Grande e Quinta) e ainda antes de descer até à zona da Baía de Machico, a VR1 deixou-me na freguesia do Caniçal, passando por uma nova série de pequenos túneis (Fazenda, Duplo Caniçal, Portais e Palmeira). Daqui até à Ponta de São Lourenço, a árida península que constitui o extremo oriental da Ilha da Madeira, são apenas 4,5 km pela ER109 que, desafortunadamente, acabariam por se revelar num verdadeiro martírio para percorrer.
 
Pouco tempo depois percebi o porquê deste pequeno trajecto estar completamente congestionado de carros e de pessoas, originando um enorme engarrafamento. Estava a decorrer a Festa da Nossa Senhora da Piedade! Esta festa é celebrada em honra da padroeira dos pescadores, os quais participam com os seus barcos decorados e pintados com cores vivas numa procissão aquática até à pequena Capela de Nossa Senhora da Piedade, no topo do Monte Gordo, perto da Ponta de São Lourenço. No sábado os peregrinos vão buscar a imagem à capela e esta pernoita na Igreja Matriz do Caniçal. No dia seguinte, domingo, e após a Missa, os peregrinos deslocam-se pelo mar para repor a imagem na capela, terminando assim esta festa única.
 
Procissão aquática da Festa da Nossa Senhora da Piedade, Caniçal/Ponta de São Lourenço.

E por falar em embarcações, a ER109 levou-me de volta à cidade do Machico, local onde desembarcaram João Gonçalves Zarco e Tristão Vaz Teixeira quando descobriram a Ilha da Madeira, em 1419. Já lá vão seis séculos! Sendo esta uma zona de grande turismo, bem perto do Aeroporto Internacional, o destaque vai naturalmente para as praias, em especial para a Praia da Banda D´Além, localizada na margem direita da foz da Ribeira de Machico. Esta praia de areia amarela é uma das poucas referências do género na Ilha da Madeira e está enquadrada na agradável envolvência da Baía de Machico.
 
Praia da Banda D´Além, Baía de Machico.

Depois de refrescar a garganta, o passeio prosseguiu junto à costa pela VR1, com curiosa passagem por baixo da pista do Aeroporto, até à Ponta do Garajau. Neste promontório situado na freguesia do Caniço, concelho de Santa Cruz, localiza-se o Cristo Rei do Garajau que consiste na imagem de Cristo de braços abertos, virado para o mar. A estátua foi construída em 1927 e é uma obra do escultor francês Georges Serraz.
 
Cristo Rei do Garajau, Caniço.

Por aqui existiu um posto de vigia destinado a localizar baleias e cachalotes para baleação e na sua base, no sítio designado por Calhau do Garajau funcionou uma estação baleeira, com traiois destinados a aproveitar a gordura dos animais que eram caçados e rebocados para o local. Actualmente temos um Miradouro que é um dos mais interessantes pontos turísticos da ilha e um excelente local para observar aves marinhas. A Ponta está também ligada à Praia do Garajau, situada numa pequena fajã existente na sua base leste, com acesso pedonal através de uma íngreme e sinuosa estrada ou pelo Teleférico do Garajau.
 
Praia do Garajau, Caniço.

Com o sol gradualmente a desaparecer no horizonte era tempo de regressar ao Funchal, cumprindo os últimos 8 km do dia na VR1 e nas estradas de acesso ao local do alojamento, perto da Fortaleza de São Tiago, na zona velha.
 
Já com a lua em lugar de destaque no céu nocturno e uma temperatura ambiente magnífica que convidava a desfrutar da noite ao ar livre, a despedida gastronómica em solo madeirense decorreu numa pequena esplanada em ambiente de tasca literária, no local onde foi pintada a primeira porta do movimento artístico artE de pORtas abErtas.
 
Filete de Espada com azeite e camarão, acompanhado por legumes cozidos.

Depois de umas suculentas Vieiras com Bacon e alho, foi um saboroso Filete de Espada com azeite e camarão, acompanhado por legumes cozidos e pela já habitual Brisa Maracujá, que fechou com chave de ouro a minha experiência culinária na Madeira. Fechado ficava também este 6.º dia da viagem de moto à “Pérola do Atlântico”.
 
Continua...

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