Dia 4 (13
de Setembro) – Sudoeste da ilha
Depois de
um dia de descanso inteiramente dedicado à cidade do Funchal, a Tiger 800 “cross
road” estava pronta para ir para a estrada e começar a explorar os recantos (e
encantos) da Madeira. Este primeiro dia de moto “a sério” levar-me-ia pelo sudoeste
da ilha até ao Farol da Ponta do Pargo, o ponto mais ocidental, regressando
depois à capital pela ER110, através da verdejante Floresta Laurissilva e pelo planalto
agreste do Paúl da Serra, com direito a uma paragem estratégica em Serra de
Água para provar uma das mais emblemáticas especialidades da Madeira, a Poncha!
Funchal – Câmara de Lobos –
Cabo Girão – Fajã dos Padres – Ponta do Sol – Cascata dos Anjos (ER101) –
Calheta – Ponta do Pargo – Achadas da Cruz – Paúl da Serra – Serra de Água –
Funchal.
Deixei o
Funchal com a agradável companhia do sol e de uma suave brisa matinal. A
primeira dezena de quilómetros foi percorrida junto ao mar, pela Estrada
Monumental, até Câmara
de Lobos, um concelho com terrenos de notável fertilidade, sobretudo em
cana-de-açúcar, vinho (de que é um dos centros mais afamados da Madeira) e
bananas.
Com o seu
pequeno porto e no fundo da enseada,
a praia e cais de desembarque chamam desde logo a atenção dos forasteiros. Nesta
pequena praia de pescadores, antigamente povoada por lobos-marinhos, Sir Winston
Churchill pintou
a baía durante umas férias que aqui passou em 1950. Memórias de outras épocas
que estão reflectidas na estátua
do famoso político e estadista britânico junto ao hotel Pestana Churchill Bay,
bem como no mural intitulado “Lobo
Marinho” do artista Bordalo II.
Da baía
de Câmara de Lobos (situada ao nível do mar) até ao Cabo Girão
(num dos promontórios mais altos da Europa) são pouco mais de 6 km de distância,
por estradas íngremes, sinuosas e por vezes estreitas, ladeadas pelo verde das bananeiras
espalhadas um pouco por todo a lado. Do alto dos seus 580 m, o miradouro,
famoso pela sua plataforma suspensa em vidro denominada de skywalk, oferece uma grandiosa vista sobre as fajãs do Rancho e do
Cabo Girão (pequenas áreas de terra cultivadas no sopé da falésia), bem como
magníficas panorâmicas sobre o oceano e os municípios de Câmara de Lobos e do
Funchal. Verdadeiramente de encher o olho!
E por
falar em fajãs, não é preciso andar muito mais para se chegar a um dos locais
mais espectaculares de toda a Ilha da Madeira, a Fajã
dos Padres. Até há pouco tempo, uma visita a esta fajã era por si só uma
aventura. O acesso fazia-se por um elevador panorâmico, cuja descida era quase
um acto de fé: cerca de 250 m a pique, acompanhando a encosta da enorme falésia!
Este elevador ainda existe mas já não se encontra em serviço, sendo o
transporte de passageiros agora efectuado por intermédio de um moderno
teleférico.
A Fajã
dos Padres é uma pequena estância turística com excelentes condições para fazer
praia e para a prática de pesca, que inclui casas de turismo de habitação para
estadias de curta duração, um restaurante e incríveis vistas para o mar. Para
além da cultura do vinho (vinha da casta Malvasia Cândida), esta zona conta com
condições climatéricas excelentes para o cultivo de papaia, manga, abacate,
banana e outras frutas exóticas como a goiaba e o maracujá, tudo em regime de
agricultura biológica.
E para
tornar a visita à Fajã dos Padres numa experiência única, o restaurante
localizado junto à praia de calhau rolado serve uma selecção cuidada de pratos
com origens na cozinha regional Madeirense, onde se destaca o peixe fresco,
assim como as sobremesas e acompanhamentos confeccionados com produtos produzidos
na propriedade.
Com a
mesa antecipadamente reservada (aconselhável) e à sombra de um conjunto de
palmeiras, o almoço começou com umas Lapas Grelhadas e o tradicional Bolo do
Caco, seguindo-se o Filete de Pargo fresco grelhado e o Filete de Espada com
banana, ambos acompanhados por legumes da horta salteados, terminando com uma
sobremesa de frutas tropicais da produção local. Muito bom!
Lapas Grelhadas e Bolo do
Caco, Filete de Pargo fresco grelhado e Filete de Espada com banana
acompanhados por legumes da horta salteados, frutas tropicais da produção local.
Não foi
fácil deixar para trás este lugar muito especial, confesso, mas havia outros locais,
também eles interessantes, para visitar até ao final do dia. O destino seguinte
seria o município da Calheta,
não sem antes parar na conhecida queda de água dos Anjos, em plena Estrada Regional
101, uma antiga via que percorre todo o litoral da ilha, acompanhando o mar num
animado bailado de curvas, contra-curvas, túneis e cascatas. Para lá chegar passaria
ainda pelas povoações da Ribeira Brava e
da Ponta do Sol,
com acesso pela Via Rápida 1 e Via Expresso 3.
Chegado à
vila da Ponta do Sol, o concelho mais pequeno da Região Autónoma da Madeira e
onde o sol brilha durante um maior número de horas, a velha ER101 (que nalguns
troços encontra-se má conservada e até perigosa devido à queda de pedras) leva-nos
por entre túneis escuros e húmidos até à Cascata
dos Anjos. Mesmo com pouca água, como foi o caso, não deixa de ser um local
agradável e propício a umas boas fotos.
Numa paisagem
marcada pelo mar azul e pelas montanhas verdes, a grande extensão da praia de
calhau da vila da Madalena
do Mar convida a tranquilos momentos de lazer. Por aqui encontra-se uma das
maiores plantações de banana em toda a ilha, que prospera graças à terra fértil
e clima favorável em que se encontra. Mas para todos aqueles que preferem as
praias de areia amarela, a melhor opção é seguir em frente até à turística Praia da Calheta, a
primeira na Madeira a importar areia (de Marrocos).
A cerca
de 500 m da praia, ao lado da Igreja Matriz do Espírito Santo, ficam as
instalações da Sociedade
dos Engenhos da Calheta. O Engenho da Calheta, que data de 1901, é o centro
desta sociedade, constituída em 1952 na sequência da fusão de vários engenhos
deste concelho em meados do século XX devido ao monopólio da Fábrica do
Torreão, no Funchal, pertencente à família inglesa Hinton. À entrada existe um
pequeno museu com máquinas antigas dos séculos XIX e XX usadas na trituração e
fermentação da cana-de-açúcar.
Para além
da produção da Aguardente (utilizada na confecção da Poncha) e do Mel de Cana, o
Bolo de Mel (o doce mais famoso da Madeira) é um dos produtos premium da Sociedade dos Engenhos da
Calheta, que aqui é feito à mão segundo uma receita tradicional e que, segundo
dizem, é o melhor de toda a ilha. Vale bem a pena uma visita.
Com as
malas da moto cada vez mais cheias de coisas boas (e ainda sem saber muito bem
como iria conseguir arrumar toda a bagagem para o regresso a casa), o passeio
prosseguiu pela VE3 e pela fantástica ER223 em direcção às povoações de Paúl do Mar (com uma grandiosa
vista a partir do miradouro)
e da Fajã da Ovelha,
retomando depois a ER101 até à Lombada dos Marinheiros (outro miradouro
junto à estrada) e finalmente a chegada à Ponta do Pargo.
O nome da
freguesia da Ponta do Pargo adveio da sua localização na extrema ponta oeste, e
por ser rica em peixe da espécie Pargo. Silenciosa e peculiar, esta zona
distingue-se das restantes na ilha pelos seus terrenos planos. Por aqui
destaca-se o Miradouro
do Fio (mais um) com uma altitude de visualização de 364 m e a Casa
de Chá “O Fio” para um final de tarde bem agradável, bem como o Farol da Ponta
do Pargo, cuja torre prismática branca mede 14 m de altura e tem o seu foco a
312 m de altitude. A sua construção data de 1922 e foi eletrificado em 1989 com
alimentação de energia da rede pública.
Uma mão
cheia de fotos depois, o passeio prosseguiu pela ER101, a subir, em direcção à
freguesia de Achadas da
Cruz (onde existe outro teleférico de acesso à repectiva fajã) na ponta noroeste
da Madeira, já no concelho do Porto Moniz. Este troço segue um percurso um
pouco mais afastado da linha de costa, por algumas zonas de abundante arvoredo
e praticamente sempre em curva e contra-curva, o que, para além de ser um
regalo para a condução, também ajudou a “limar as arestas” do pneu de trás da
Tiger e a coloca-lo mais de acordo com a sua forma original (é que muitos
quilómetros com pendura e bagagem já iam deixando o pneu um tanto ou quanto
“quadrado”).
Cerca de
3 km depois de Achadas da Cruz e junto ao Posto Florestal Santa, a minha rota virou
à direita em direcção ao Paúl da Serra, agora pela ER110. Este foi verdadeiramente
um ponto de viragem relativamente ao que até então tinha experimentado, tanto ao
nível da paisagem como do clima da ilha.
Primeiro temos
o atravessar da espectacular Floresta
Laurissilva (nome pela qual é conhecida a floresta indígena da Madeira, Património
Mundial Natural da Unesco), de características subtropicais, húmida, constituída
predominantemente por árvores e arbustos de folhagem persistente, com folhas
verde-escuras e planas. Depois vem a aridez do extenso planalto do Paúl da Serra, com uma
altitude média de aproximadamente 1.500 m e uma vegetação menos abundante e
rasteira (remanescente da sua anterior utilização como local de pasto) comum em
zonas fustigadas por ventos fortes e temperaturas mais baixas. Um local de vistas
fabulosas sobre verdes montanhas e vales, onde, em dias de boa visibilidade, é
possível ver o mar da costa sul e o mar da costa norte. E por último, nada
melhor do que terminar a ER110 com uma empolgante sessão de curvas pela encosta
da montanha e uma vista
privilegiada para os imponentes Pico do Areeiro e Pico Ruivo.
O
entroncar com a enrolada ER228 marcou o início da descida para Sul, em direcção
ao Funchal, onde acabei por chegar com a cabeça a andar um pouco à roda. Seria
efeito da grande quantidade de curvas e contra-curvas desta estrada ou foi uma
reacção adversa após a paragem na carismática Taberna
da Poncha, na localidade de Serra de Água? Foi certamente das curvas (LOL),
já que a paragem foi breve e só para provar uma das mais conhecidas
especialidades da Madeira, a Poncha, que neste local dizem ser uma das melhores
da ilha.
E que
local curioso este, com as paredes interiores forradas a cartões-de-visita, fotos
e outros adereços, propício ao convívio entre os (muitos) clientes de copo numa
mão e amendoins na outra, atirando as cascas para o chão num gesto que é típico
neste estabelecimento.
Com o
cair da noite chegava ao fim a agitação do dia. Era tempo de olhar para as
fotos tiradas e reviver as peripécias do passeio, confortavelmente sentado na
esplanada do restaurante
com vista para o movimentado Largo do Corpo Santo, na zona velha da cidade, aproveitando
o intervalo entre uma saborosa Sopa de Peixe e uma suculenta Espetada de Lulas com
Gambas. Boa comida típica, simpatia do staff
e ambiente agradável. Não é preciso muito mais, pois não?
A presença
do mar mesmo ali ao lado é sempre um bom pretexto para um “esticar” de pernas
pela marginal do Funchal. Junto ao Teleférico Funchal-Monte (Jardim do Almirante
Reis) e encerrada numa verdadeira cápsula do tempo, podemos admirar a lancha
‘Mosquito’, uma antiga embarcação com casco em madeira forrado a latão construída
em Inglaterra em 1900, utilizada para serviço da Blandy, no percurso entre os navios e o
cais da cidade, até 1977. A máquina a vapor original foi depois substituída por
um motor a Diesel nos finais dos anos 40. Outros tempos...
Continua...
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