domingo, 5 de julho de 2020

Na “Pérola do Atlântico” #3/8

Dia 3 (12 de Setembro) – Cidade do Funchal

A Cidade do Funchal é a capital da Ilha da Madeira. A sua designação deve-se aos primeiros povoadores que, ao desembarcar neste lugar, se depararam com a grande quantidade de funcho, uma erva bravia com cheiro adocicado que existia em abundância no vale, na área do primitivo burgo. Aqui concentra-se mais de um terço da população da ilha, sendo a cidade mais populosa fora do território continental português.

Situada na costa sul da ilha, numa baía banhada pelo Oceano Atlântico, Funchal constitui o maior centro turístico, comercial e cultural de todo o Arquipélago da Madeira, motivo mais que suficiente para dedicar um dia à sua descoberta, deixando desta vez a Tiger 800 a descansar.

Assim, a manhã começou com uma subida de teleférico em direcção ao Monte, numa viagem de pouco mais de 10 minutos que liga o Jardim do Almirante Reis (junto à Zona Velha) ao Largo das Babosas (Monte), proporcionando excelentes vistas sobre a baía e os vales do Funchal.

No Teleférico do Monte, Funchal.

Aqui chegado, o destaque vai para a magnífica vista panorâmica sobre a cidade e o mar que os 550 m de altitude proporcionam. O acidentado relevo e a acção dos ventos geram microclimas que favorecem o crescimento de frutas e plantas ornamentais variadas, razão pela qual a Madeira é também apelidada de “Ilha das Flores”.

Para além do Jardim Botânico (cujo acesso pode ser efectuado através de um outro teleférico situado perto deste local), um dos melhores espaços para se apreciar esta vegetação luxuriante e exótica é sem dúvida o fantástico Jardim Tropical Monte Palace, integrado na Quinta Monte Palace, propriedade da Fundação José Berardo.

Monte Palace Tropical Gardens.

A Freguesia do Monte foi criada no ano de 1565 com base na devoção à N. Sr.ª do Monte, que remonta ao séc. XV. Com a aluvião de 1803, a Senhora do Monte passou a ser evocada como padroeira da Ilha da Madeira e, em 1818, foi inaugurada uma igreja em sua homenagem. Aqui encontra-se o túmulo do Beato Carlos I de Habsburg, o último Imperador da Áustria e, simultaneamente, o último Rei da Hungria (como Carlos IV) e o último Rei da Boémia (como Carlos III).

Igreja de Nossa Senhora do Monte.

Junto à igreja fica o Parque Leite Monteiro (Parque do Monte), um Jardim Municipal que cobre grande parte desta freguesia, com uma área de 26.000 m2. Este amplo espaço verde possui várias espécies indígenas e exóticas, bem como algumas árvores centenárias, convidando os visitantes a um tranquilo passeio.

No centro do parque situa-se o Largo da Fonte, local de má memória pela tragédia ocorrida em 2017, com a queda de uma árvore de grande porte durante as festividades de N. Sr.ª do Monte. No meio do largo destaca-se o Coreto e na periferia o bonito edifício do Café Parque, bem como o Fontenário de N. Sr.ª do Monte com um pequeno nicho com a imagem de N. Sr.ª da Conceição (conjunto inicial do séc. XVI, com obras em 1777, foi destruído pela queda de um castanheiro em 1896, tendo sido então construído o actual).

Largo da Fonte (Parque do Monte).

No lado oposto, o Largo da Fonte é marginado pela estrada do Caminho de Ferro do Monte, por onde transitava o Comboio do Monte (ou Elevador do Monte como também era conhecido) desde o final do séc. XIX. Esta ferrovia de via única em cremalheira ligava o Pombal, no Funchal, ao Terreiro da Luta, no Monte, numa extensão 3.911 m. A ocorrência de dois acidentes fez com que a população deixasse de usar este transporte, levando a que a linha fosse desmantelada em 1943. A Estação da Fonte, da qual ainda existe o edifício e o pequeno quiosque de venda dos bilhetes, era ponto de paragem obrigatória de quase todos os visitantes do Funchal do início do séc. XX e o passeio favorito dos habitantes da cidade.

Estação da Fonte do Caminho de Ferro do Monte: O antes (via) e o depois (actual).

O final da manhã estava próximo e era então altura de regressar à cidade do Funchal. E nada é mais emocionante que descer estas ingremes ruas sentado num dos tradicionais Carros de Cesto, conduzidos com mestria pelos experientes Carreiros do Monte. O percurso tem perto de 2 km de comprimento e demora cerca de 7 minutos, com início junto à Igreja de Nossa Senhora do Monte e o fim já na Freguesia do Livramento. Durante o trajecto, dois fotógrafos estrategicamente colocados encarregam-se de captar o momento para mais tarde recordar. Uma experiência verdadeiramente única!

Carros de Cesto conduzidos pelos hábeis Carreiros do Monte.

Depois de concluída a travessia a pé do resto da Freguesia do Livramento e já na zona baixa do Funchal, o emblemático Mercado dos Lavradores foi a paragem seguinte. O mercado foi inaugurado em 1940 e tem uma área coberta de 9.600 m2, sendo um dos edifícios mais conhecidos da cidade. Este projecto da autoria de Edmundo Tavares apresenta uma arquitectura própria do Estado Novo e reflecte a intenção de o tornar no grande polo abastecedor da cidade. Grandes painéis de azulejos da Faiança Battistini de Maria de Portugal (Fábrica de Loiça de Sacavém), datados de 1940 e pintados com temas regionais por João Rodrigues, ornamentam a fachada, a porta principal e a peixaria.

Mercado dos Lavradores, Funchal.

Mercado dos Lavradores, Funchal.

Com os sentidos já bastante despertos, estava na altura de fazer pausa para uma refeição rápida antes de prosseguir com o passeio. A escolha acabou por recair num suculento hamburger em Bolo do Caco, acompanhado por uma Maracujáda (limonada de maracujá) natural e artesanal, servido numa esplanada em frente à casa onde viveu o escritor Júlio Diniz, perto do Jardim Municipal do Funchal. Aprovado!

Hamburger em Bolo do Caco.

Cerca de 2 km a oeste deste local fica a Fábrica do Ribeiro Sêco. Fundada em 1883, conta com engenho que é um dos mais antigo da ilha ainda em laboração. A partir da trituração da cana-de-açúcar (cana sacarina), a fábrica especializou-se na produção de Mel-de-Cana Clássico e Biológico, um produto 100% natural e de elevada qualidade, sem aditivos, corantes ou conservantes. Para além do mel propriamente dito, podem comprar-se também Broas de Mel-de-Cana e o tradicional Bolo de Mel-de-Cana.

Fábrica do Ribeiro Sêco, Funchal.

Fábrica do Ribeiro Sêco – Engenho.

De regresso à zona ribeirinha, com passagem pelo verdejante Parque de Santa Catarina, a entrada para o centro do município fez-se pelo local outrora apropriado para o efeito, ou seja, atravessando o Portão dos Varadouros (Portas da Cidade). Construídas em 1689, no tempo do governador D. Lourenço de Almeida, as Portas da Cidade integravam a muralha defensiva do Funchal e davam acesso ao varadouro de barcos na praia do calhau, na actual Avenida do Mar. Foram demolidas em Maio de 1911, tal como grande parte das antigas muralhas (já sem utilidade militar para a época), na sequência da adaptação da baixa da cidade ao automóvel. A sua reposição no mesmo local teve lugar em 2004, no âmbito das comemorações dos 500 anos do Funchal.

Portão dos Varadouros (Portas da Cidade), Funchal.

Perto do Palácio de São Lourenço (fortaleza do séc. XVI e local da representação da República na Região Autónoma da Madeira) e junto ao edifício do Banco de Portugal, mais precisamente na intersecção das Avenidas Zarco e Arriaga, fica a estátua alusiva à figura histórica de João Gonçalves Zarco, um dos descobridores da Madeira e primeiro Capitão do Donatário do Funchal. Executada pelo escultor Francisco Franco em 1927 (a qual obteve a medalha de ouro na Exposição Ibero-Americana em Sevilha, em 1929) e com o projecto do pedestal a cargo do arquitecto Cristiano da Silva, o conjunto foi erguido em 1934.

Estátua de João Gonçalves Zarco junto ao edifício do Banco de Portugal.

O edifício da Sé Catedral do Funchal fica já aqui ao lado, a cerca de 100 m de distância. Mas mesmo em frente, a tentação assolou-me os sentidos na forma do Golden Gate Grand Café, um dos mais requintados da cidade. E não foi fácil resistir aos prazeres da gula, mas lá consegui seguir, sem fraquezas a registar, rumo ao principal templo religioso do Arquipélago. Classificado como Monumento Nacional desde 1910, do interior da Catedral destaca-se o retábulo da capela-mor mandado executar pelo Rei D. Manuel I em 1510-1515, bem como um dos mais belos tectos de templos religiosos do país, elaborados com madeira da ilha.

Sé Catedral do Funchal.

Seguindo pela Rua João Tavira em direcção a uma das principais zonas do centro histórico, cerca de 200 m depois fica a Praça do Município e os seus edifícios circundantes que perfazem um belo conjunto arquitectónico. Aqui destacam-se os Paços do Concelho (Câmara Municipal do Funchal, antigo Palácio do Conde Carvalhal – séc. XVIII), a Igreja de São João Evangelista (Colégio dos Jesuítas – séc. XVII) e o Museu de Arte Sacra (onde funcionou o antigo Paço Episcopal – séc. XVI). No centro da praça existe um Chafariz datado de 1942.

Paços do Concelho do Funchal (Câmara Municipal do Funchal)

Igreja de São João Evangelista (Colégio dos Jesuítas do Funchal).

Saindo da Praça do Município para leste, estamos no caminho certo para conhecer uma das lojas mais castiças do Funchal, a Fábrica S.to António. Desde a sua fundação, em 1893, a fábrica e loja têm permanecido no mesmo local, na Travessa do Forno. Assim que se entra na loja, a sensação é de que o tempo andou para trás, de volta às mercearias do antigamente. Entre os vários (e bons) produtos aqui comercializados, destacam-se o Bolo de Mel-de-Cana e os Rebuçados de Funcho (ambos finalistas regionais das 7 Maravilhas – Doces de Portugal), as Broas de Gengibre ou os Beijinhos de Avelã, entre muitos outros. Um espaço cheio de memórias de outras épocas, de onde dificilmente se sai de mãos a abanar. Mesmo!

Fábrica S.to António, Funchal.

Descendo em direcção ao mar vamos dar à ampla Praça da Autonomia, local onde as ribeiras de Santa Luzia e de João Gomes se encontram e seguem em direcção ao Atlântico. Esta importante praça no centro do Funchal celebra precisamente a autonomia do arquipélago da Madeira. A estátua aí existente é da autoria de Ricardo Velosa. Foi inaugurada em 1987 na rotunda de acesso ao aeroporto e transferida para este local em1991.

No topo Norte da praça podem ver-se as ruínas arqueológicas do Forte de S. Filipe, localizadas entre as ribeiras de Santa Luzia e de João Gomes. Esta estrutura foi erguida em 1581 como complemento à defesa da baía do Funchal, após a desastrosa ocupação corsária de 1566.

Praça da Autonomia e as ruínas arqueológicas do Forte de S. Filipe (em segundo plano), Funchal.

Já em plena Avenida do Mar, por entre transeuntes, turistas e os sempre apressados Horários do Funchal (a empresa local de autocarros de transporte público), o passeio prosseguiu em direcção à zona velha, desde a Praça do Povo (construída com o entulho das enxurradas de 2010) até ao Jardim do Almirante Reis. Ao longo da zona ajardinada da marginal podem ver-se diversos monumentos e estátuas associadas às mais variadas evocações, como por exemplo o Padrão do Raid Aéreo Lisboa-Funchal de 1921, a Escultura ao Barqueiro, a Estátua ao Emigrante Madeirense, a Estátua ao Empresário Madeirense, o Monumento ao 58.º Aniversário da Força Aérea, o Monumento aos 500 anos da Diocese do Funchal, entre outros.

Depois de um refrescante gelado saboreado a contemplar o mar e de um já merecido descanso no alojamento, a noite começou com o jantar servido num espaço agradável com esplanada, curiosamente não muito longe do local onde tinha almoçado. A escolha recaiu numa entrada de Bolo do Caco com manteiga de alho (um must), seguida da Espetada Regional em pau de loureiro com milho e batata fritos, acompanhada de salada. Comida bem confeccionada, com apresentação cuidada e a preços honestos. Gostei!

Espetada regional em pau de loureiro com milho e batata fritos, acompanhada de salada.

Com um bonito cenário de luz e cor, enquadrado pelas águas calmas do mar e o casario na encosta do Monte, a marginal “by night” transforma-se e ganha uma outra vida. Estava então de regresso à Praça da Autonomia, numa atmosfera diferente, para fechar com chave de ouro este dia de visita à cidade do Funchal.

Praça da Autonomia em versão nocturna.

Continua...

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