Cinco anos passaram após a minha última
visita ao Nordeste
Transmontano para assistir ao Festival
Intercéltico de Sendim (FIS), o reputado festival internacional de música folk
de inspiração celta
que habitualmente se realiza durante o primeiro fim-de-semana do mês de Agosto
no Concelho de Miranda do Douro. Estava então na altura de levar a Tiger 800 a
conhecer o Planalto
Mirandês, uma região agreste mas extremamente bela, de fortes tradições
culturais e gastronómicas, inserida na área protegida do Parque
Natural do Douro Internacional.
Cartaz. Via
As actividades programadas pela organização
para o dia de Sábado (3 de Agosto) desta 20.ª edição do festival eram muitas e
variadas. Mas antes de rumar à Vila de Sendim, impunha-se um descontraído
passeio pelas retorcidas estradas da região, que acabariam por me levar até à Praia
Fluvial Foz Rio Sabor (perto de Torre de Moncorvo), uma zona de grande
beleza onde o Sabor se encontra com o Douro, com a particularidade de neste
local o Rio Douro correr de Sul para Norte!
Praia Fluvial Foz Rio Sabor
(Foz do Sabor, Torre de Moncorvo).
E para provar que a gastronomia local não se esgota na Posta à Mirandesa
e na Alheira Transmontana, nada melhor do que dar um salto à pequena povoação
de Cabanas de Baixo para degustar
uns típicos Peixes do Rio e Migas, uma iguaria bastante apreciada que até tem
honras de festival, precisamente o Festival
das Migas e do Peixe do Rio, organizado pela Associação de Comerciantes e
Industriais de Moncorvo, com o apoio da Câmara Municipal de Torre de Moncorvo, cuja
edição deste ano decorreu no passado mês de Julho.
Peixes do Rio com Migas
(Cabanas de Baixo, Torre de Moncorvo).
Debaixo de um sol fustigador, foi retomada a estrada para mais umas
dezenas de quilómetros percorridos na companhia de amendoeiras, castanheiros,
oliveiras, raças autóctones de bovinos e asininos mirandeses, rochas graníticas
e das imponentes Arribas do Douro com paisagens magníficas. Já em Sendim, o
resto do dia foi passado por entre gaitas de foles, flautas de tamborileiro, pandeiros
e outros instrumentos.
As magníficas paisagens do Parque
Natural do Douro Internacional.
Bem enraizada na cultura das gentes da Terra de Miranda, a língua mirandesa
em geral e o subdialecto sendinês
em particular, são uma presença habitual nas ruas desta vila transmontana,
especialmente através dos seus habitantes mais velhos. Um interessante
contraste entre a cultura tradicional e o estilo de vida mais moderno e
tecnológico dos nossos dias, mas que é importante preservar em prol das
gerações futuras.
O nome das ruas escrito em
mirandês e em português (Sendim).
Diversas actividades foram decorrendo ao longo do dia, desde a madrugadora
caminhada Ruta de ls Celtas (pelas
arribas do Rio Douro), passando pelas actuações dos duos Lira & Paco Díez (romanceiro
ibérico com sanfona e guitarra), Carlos Zíngaro & Manuel Guimarães (improvisação
sobre temas tradicionais transmontanos com violino e piano) e Ana Correia &
Tânia Pires (evocação/homenagem a Adélia Garcia – 1933-2016), até à
apresentação do livro ‘Palimpsesto sobre vampiros, eunucos, chacais &
outras bichezas e figurões na obra e na vida de José Afonso’ de Mário Correia, tudo
isto na Casa da Cultura.
Mas à medida que se aproximava o momento alto do festival, com os
concertos nocturnos dos grupos musicais convidados, a movimentação e a agitação
nas ruas da vila foi naturalmente aumentando. E em jeito de aperitivo, no final
da tarde o grupo folk da Patagónia Melkisedeck, herdeiro da
sonoridade céltico-britânica que noutros tempos emigrou para terras argentinas,
brindaram o público com uma descontraída actuação no improvisado Palco da Praça,
junto à Igreja Matriz.
Largo da Igreja (Sendim).
Actuação do grupo Melkisedeck
junto à Igreja Matriz (Sendim).
No lado oposto do Largo da Igreja encontra-se uma antiga residencial,
em cujo restaurante alegadamente terá nascido a célebre Posta à Mirandesa. Neste
local de afamada cozinha, com produtos caseiros e da região, o destaque vai naturalmente
para a Posta e para a Alheira, sem esquecer o Queijo acompanhado de
Compotas Caseiras variadas para a sobremesa. Mesmo não sendo o meu restaurante
de eleição para comer a posta, continua a ser uma referência na terra, com lotação esgotada durante os dias em que
decorre o Intercéltico.
Alheira para entrada e Posta
à Gabriela (Sendim).
Por volta das 21h30m teve início a ronda do Grupo de Gaiteiros da Lérias
(Palaçoulo), com o propósito de chamar o povo e acompanhá-lo durante os
cerca de 300 m que separam o Largo da Igreja da ”Aldeia
dos Zoelas”, no recinto da antiga escola primária, local onde terminavam as
arruadas musicais e onde estava colocado o Palco Fundação Inatel que acolheu os
três concertos da noite. Esta localização acabou por ser uma novidade para mim,
pois nas edições do FIS em que estive presente (2014,
2013,
2012
e 2010)
os concertos realizaram-se sempre no Parque das Eiras, junto dos Bombeiros.
Ronda dos Gaiteiros Mirandeses
desde o Largo da Igreja até à “Aldeia dos Zoelas” (Sendim).
Com o bilhete de acesso comprado (€ 10,00), foi então neste recinto “(...) mais intimista e acolhedor e que vai
proporcionar concertos mais para ouvir do que propriamente para dançar criando
assim um novo diálogo entre músicos e público”, conforme refere Mário Correia,
o rosto da organização e o grande dinamizador do FIS, que subiram ao palco os Dobra (Astúrias), do celebrado
virtuoso da gaita-de-foles Xuacu
Amieva, para a primeira actuação da noite. E que actuação!
Apesar da sempre ingrata tarefa de ter que “aquecer” o público, a mestria
de Xuacu Amieva, uma das figuras mais prestigiadas e reconhecidas no contexto
da música tradicional asturiana, com uma grande trajectória como gaiteiro,
professor de gaiteiros e multi-instrumentista em diversas formações folk, onde
se destaca a colaboração com os irlandeses The Chieftains no seu
disco Santiago
(onde também participou o músico português Júlio Pereira) tocando o tema ‘El
besu’, trabalho este que obteve um Grammy
em 1997, deu um verdadeiro recital de gaita-de-foles durante a apresentação do último
disco ‘Carombu’ e que, juntamente com os restantes elementos do grupo, deixou os
espectadores ao rubro com uma actuação animada e de grande qualidade.
Dobra (Astúrias) – Xuacu
Amieva (voz, gaita-de-foles, flauta transversal e bandurria asturiana), José
Martínez (guitarra e voz), Laura Fonseca (vigulín, bandurria asturiana e voz) e
Paula Amieva (bodhran, pandeireta e voz).
Oriundos de terras castelhanas seguiram-se os Castijazz (Castela e Leão) do
flautista Carlos
Soto, um dos elementos fundadores dos Celtas
Cortos (que actuaram no FIS em 2014), acompanhado pelo Folk Quintet, com uma
sonoridade assumidamente influenciada não só pela cultura castelhana mas também
por outras culturas de outras épocas, nomeadamente de árabes e judeus que
passaram pela península e deixaram uma importante marca no território ibérico.
Sem nunca esquecer o passado para a construção o futuro, o resultado
desta abrangência cultural e inclusiva está bem presente no último disco ‘Tierra
de Nadie’, baseado no qual decorreu a sua actuação em Sendim. Uma música de
todos, numa terra que pertence a todos e que deve ser compartilhada por todos.
Castijazz
(Castela e Leão) – Carlos Soto (voz, flauta trasversal, clarineau e saxo
soprano), Maria Desbordes (voz, whistle e percussão), Carlos Martín Aires
(guitarra acústica, guitarra espanhola, bouzouki e voz), César Diez (contrabaixo
e voz), Adal Pumarabín (bateria étnica) e Rubén Villadangos (piano).
A noite terminou em alta com a música dos Fourth Moon (Escócia), um grupo que une
quatro nacionalidades (austríaca, italiana, escocesa e francesa) e quatro
origens musicais diferentes numa única força criativa, que se traduz numa performance
que não passa de forma alguma despercebida, tal como sucedeu neste Intercéltico
de Sendim.
Com um elogiado trabalho original de composição, uma nova sonoridade e um
alto nível de interacção com o público que cativou os festivaleiros de todas as
idades, dos mais novos aos mais velhos, a música dos Fourth Moon é excitante,
rítmica e uma delícia para os ouvidos. Da tranquilidade à vertigem, da calma ao
ritmo inebriante, a apresentação do primeiro álbum 'Ellipsis' resultou numa
empolgada actuação.
Fortemente aplaudidos no final, o irreverente Andrew Waite questionou a
plateia com “do you want more?”, prontamente
respondido num estrondoso “yes”, ao
qual correspondeu com “thank god, we
weren't ready to leave yet!”. E lá se seguiram uns animados e merecidos encores.
Fourth
Moon (Escócia) – Géza Frank (flauta, whistles, uilleann pipes e voz), David
Lombardi (fiddle e voz), Andrew Waite (acordeão e voz) e Jean Damei (guitarra e
voz).
Foi neste ambiente de grande festa sendintercéltica que foram celebrados
os 20 anos de vida ininterrupta do FIS, um dos festivais mais veteranos no
âmbito geográfico ibérico e que continua a renovar-se ano após ano no coração
do nordeste de Portugal.
De referir ainda que com a assinatura do protocolo
entre o Centro de Música Tradicional Sons da Terra e a Fundação Inatel, com o propósito preservar, manter viva e dar vida à tradição musical e cultural de
Trás-os-Montes, fica assim garantida a continuidade do FIS.
Festival
Intercéltico de Sendim... porque a folk merece um festival assim!
Parabéns pela excelente descrição deste passeio, testemunhando o quão belo é o nosso País e como o podemos verdadeiramente desfrutar. Luísa
ResponderEliminarObrigado Luísa ;), nunca é demais enaltecer o que existe de bom em Portugal, especialmente quando a qualidade está presente mesmo em zonas do país um pouco mais isoladas e por vezes esquecidas.
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