quarta-feira, 3 de junho de 2020

Na “Pérola do Atlântico” #1/8

“«Assi fomos abrindo aqueles mares,
Que geração algũa não abriu,
As novas Ilhas vendo e os novos ares
Que o generoso Henrique descobriu;
(...)

«Passámos a grande Ilha da Madeira,
Que do muito arvoredo assi se chama;
Das que nós povoámos a primeira,
Mais célebre por nome que por fama.(...)”
Os Lusíadas (canto V, estrofes 4 e 5 - excertos), Luís Vaz de Camões in Alvarenga, http://www.alvarenga.net/canto5.htm [consultado em 03-06-2020]

Bandeira da Região Autónoma da Madeira. Via

Em 2019 comemoraram-se os 600 anos do descobrimento da Ilha da Madeira (foi descoberta por João Gonçalves – Zarco de alcunha – e Tristão Vaz em 1419, começando a ser povoada pelos mesmos a partir de 1425). Esta efeméride serviu de pretexto para uma viagem de moto à “Pérola do Atlântico”, nome pela qual também é conhecida, à descoberta de paisagens, lugares e sabores neste verdadeiro jardim à beira mar plantado. E sem querer ser má-língua, ‘jardim’ é uma palavra que tem duplo significado nesta região insular de Portugal...

Mapa da Ilha da Madeira. Via

A Madeira é a maior ilha do arquipélago com o mesmo nome (oficialmente Região Autónoma da Madeira), composto também pela Ilha de Porto Santo e duas outras ilhas menores desabitadas, as Ilhas Desertas e as Ilhas Selvagens. O arquipélago situa-se na placa africana, em pleno Oceano Atlântico entre 30° e 33° de latitude norte, 978 km a sudoeste de Lisboa, cerca de 700 km a oeste da costa de África (quase à mesma latitude de Casablanca) e 450 km a norte das Ilhas Canárias.

Localização. Via

De origem vulcânica, com uma área superior a 740 km2, a Ilha da Madeira possui uma orografia bastante acidentada, sendo os pontos mais altos o Pico Ruivo (1.862 m), o Pico das Torres (1.851 m) e o Pico do Areeiro (1.818 m). A costa norte é dominada por altas arribas e na parte ocidental da ilha surge uma região planáltica, o Paul da Serra (1.300~1.500 m).

O relevo, bem como a exposição aos ventos predominantes, fazem com que na ilha existam diversos microclimas o que, aliado ao exotismo da vegetação, constitui um importante factor de atracção para o turismo, principal actividade da região. A precipitação é mais elevada na costa norte do que na costa sul. Não existem grandes variações térmicas durante todo o ano, mantendo-se o clima ameno.

Dia 1 (10 de Setembro) – Travessia Portimão-Funchal

Por inerência da sua localização, o acesso à Ilha da Madeira apenas pode ser efectuado de duas formas: por via marítima ou por via aérea. Ora como o objectivo era percorrer as estradas da ilha com a minha Triumph Tiger 800, o ferry foi logicamente o meio de transporte escolhido.

A ligação marítima de passageiros e veículos ligeiros entre o continente e o Funchal, via Portimão, foi efectuada pelo operador ENM Ferries (Empresa de Navegação Madeirense), que realizou travessias semanais durante os meses de Verão, de Julho a Setembro, através do ferry Volcán de Timanfaya da frota da Naviera Armas.

Este navio, com tripulação maioritariamente espanhola, é já bem conhecido dos madeirenses. Esteve nesta mesma linha em 2006, numa altura em que tinha apenas dois anos de operação (entrou ao serviço da companhia em Abril de 2004). Com 143 m de comprimento e 24,20 m de largura, tem capacidade para 1.000 passageiros e 300 viaturas ligeiras. A sua velocidade máxima é de 23 nós, para uma potência de propulsão total de 22.500 HP (2x11.250 HP).

As viagens têm a duração de um dia, com partidas de Portimão às 14:00 de terça-feira e chegadas ao Funchal às 14:30 de quarta-feira. No sentido inverso, as partidas do Funchal são às 10:30 de segunda-feira e as chegadas a Portimão às 11:00 de terça-feira.

ENM Ferries – Percursos. Via

Apesar da partida de Portimão estar marcada para as 14:00, o bilhete indicava que a apresentação para o embarque tinha que ser efectuada até 60 minutos antes da hora prevista para a saída do navio. Mas antes de chegar ao cais do Terminal de Cruzeiros de Portimão, local de onde iria zarpar o ferry, ainda houve tempo para uma despedida do continente a preceito na forma de um saboroso almoço de peixe fresco (cantaril) assado na brasa.

Terminada a refeição, chegava então a altura de embarcar para o início da viagem rumo ao Funchal, uma logística algo demorada e com algum grau de complexidade para arrumar todas as viaturas nos diferentes decks. Felizmente que as motos são as primeiras a entrar e ficam logo à entrada do navio, o que torna mais fácil e rápida toda a operação de estacionamento, a cargo dos funcionários da empresa.

Aguardando (bem acompanhado) pelo embarque no ferry.

“É para a porta 3 e a subida é pelas laterais da rampa”.

Estacionamento na ‘Cubierta 4A’ (as cintas de amarração foram depois colocadas pela tripulação).

Sendo esta a minha primeira experiência a bordo de um ferry de alto mar, foi com natural curiosidade que comecei por explorar os diversos espaços do navio, do alojamento à restauração, passando pelas zonas sociais e sem esquecer os sempre importantes e indispensáveis sanitários. Entretanto e como não há reserva de lugares, as cadeiras iam sendo ocupadas pelos passageiros, conforme a disponibilidade. Felizmente que ainda fui a tempo de assegurar um lugar junto à janela, com espaço para colocar os capacetes e os blusões, numa zona não muito movimentada, já a pensar na noite que aqui teria que passar.

Depois de garantido o lugar, foi do deck superior do navio que assisti à saída do Porto de Portimão, deixando para trás o Rio Arade a caminho do Oceano Atlântico, com uma vista privilegiada sobre a Marina, o Farol e a Praia da Rocha.

Saída do Porto de Portimão.

A vida a bordo do ‘Volcán de Timanfaya’ é tranquila e agradável, sem se sentir em demasia a oscilação do navio com a ondulação do mar. Mas com o passar das horas e sem grande coisa para fazer, a monotonia começa a instalar-se. Para distrair, felizmente que existem televisões em todas salas de passageiros com sessões de filmes ao longo do dia.

Os adeptos das novas tecnologias que preferem utilizar os seus próprios equipamentos de entretenimento devem ter em atenção que não existem muitas tomadas eléctricas disponíveis, pelo que é recomendável a utilização de uma ficha tripla para o carregamento de mais que um equipamento electrónico em simultâneo.

Apesar de ter verificado algumas situações de materiais e equipamentos a precisarem de cuidados, os espaços interiores estão, de um modo geral, bem conservados e limpos. E foi notório o esforço da tripulação para com a limpeza dos sanitários, com intervenções regulares durante toda a viagem, apesar de por vezes se depararem com situações menos agradáveis resultantes da falta de civismo por parte de alguns passageiros.

Devidamente instalado nas cadeiras do ferry.

Entretanto a fome começou a apertar e estava na altura de ir conhecer melhor o restaurante self-service. Abre às 20:00 e tem diversas opções disponíveis, desde simples saladas a pratos completos (de carne e peixe), bebidas e sobremesas. As quantidades são generosas mas a comida, apesar de saborosa, é pouco apurada. Os preços estão ao nível do que é habitual para este tipo de serviços, sem serem exorbitantemente elevados.

Depois de um café solo tomado no bar (com oferta de um pequeno doce para acompanhar), não deixa de ser curioso verificar como a disposição melhora bastante quando estamos de estômago cheio! :)

Frango assado com batatas e legumes cozidos para o jantar.

Com o cair da noite sente-se a temperatura ambiente a descer, convidando a vestir uma roupa um pouco mais quente. Esta sensação é ajudada por uma ventilação que, teimosamente, se mantém fresca, começando a incomodar a grande maioria dos passageiros à medida que se iam aconchegando para passar a noite.

Mais uns filmes para entreter até que, por volta das 23:00, o navio entrava em “modo noite”. A iluminação é reduzida ao mínimo e gradualmente o silêncio instala-se a bordo. Chegava então a altura de tentar encontrar uma posição mais ou menos confortável na cadeira para dormir.

Continua...

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